25.2.07

Causos - De como você pode não perceber

De como você pode não perceber...
por Carol Bataier

É certo que a primeira vez que você viu aquele rostinho bonito nem pensou nesse mundo todo que havia por trás daquele corpo gostoso, daquele narizinho empinado.

Mal imaginou que a menina que dançava e ria pra todo mundo – ah!, uma exibida - poderia, numa tarde de sol, sair nua do chuveiro e pular direto no seu colo, molhada, abraçando com as pernas sua cintura, grudando a boca no seu pescoço entre mordidas e risadas pelo seu espanto, sua cara de bobo. Jamais pensaria, quando a viu sorrir e rir e sorrir novamente e o tempo todo, tão fácil, tão fútil, que ela poderia ser tão doce, tão meiga a ponto de te fazer sorrir também, assim, tão facilmente, só de olhar praqueles olhos que outrora você julgou maquiados demais, perdidos demais.

Você nunca imaginaria que agora passaria horas olhando aqueles mesmos olhos perdidos, ou acariciando seus cabelos enquanto tenta desvendar seus sonhos. De fato ela não fazia seu tipo. Não à primeira vista. Mas, também fato, que logo de cara te incomodou, senão você não teria reparado tanto em como ela segurava o copo ou conversava com os outros, e você não entendia bem o porque desse incômodo. Fez o possível pra ignorar, enquanto ela fazia o possível pra chamar atenção. Não só a sua, de todos, talvez, ela é assim mesmo. Ou era; porque agora ela é outra. Ainda guarda o mesmo sorriso, o mesmo jeito de dançar e de arrumar o cabelo quando sabe que tem alguém olhando. As roupas, talvez um pouco curtas demais, decotadas demais, também são as mesmas. E você pensa em como é possível alguém mudar tanto sem mudar nada. A menina é a mesma, mas agora você sabe que ela ama sol forte e chuva forte e que chora em despedidas, que tem medo de umas coisas bobas e enfrenta outras tantas tão mais perigosas. Que ela gosta de desenho animado e de filmes do Kubrick e ama a voz do Ney Matogrosso, sendo assim capaz de ouví-lo cantar Sangue Latino umas mil vezes seguidas. E então, de repente, você descobriu que adora aqueles olhos, aquela boca e aquelas mãos, ainda mais quando elas seguram bem forte nas suas, quase tentando atravessar seus ossos com as pontas dos dedos. E você mal imaginaria, naquele dia inebriado de cerveja e música, que hoje olharia pra ela com essa cara de bobo cada vez que ela te surpreende, e com essa cara de espanto (com uma pontinha de desespero) cada vez que ela diz, entre lágrimas, que não gosta mais de você. Porque agora você já não vive mais sem aquela voz rouca, aquelas músicas, aqueles livros, aqueles gritos, aqueles gestos, aquele jeito de dirigir o carro cantando e olhando o tempo todo pelo retrovisor. De repente a menina bonita que dançava te surpreendeu quando chorou num fim de tarde, quando cantou ou leu entre risos aquele trecho do Vinícius que diz que “eu sem você sou só desamor”; te surpreendeu por ser assim tão livre, tão capaz de abrir seu mundo pra um estranho chato como você . E você agora não se imagina mais fora desse universo tão diferente do seu, tão distante daquilo que você dizia querer... e tão aquilo que você precisava.

22.2.07

Virgínia Rosa – Fnac Paulista – 22/02/07

O perfume que roubam de ti

Era final de tarde quando entrei no Frans Café da Fnac Paulista. As mesas estavam cheias, e as cadeiras, que foram dispostas em frente ao palco (que fica ao lado do café), já tinham seus lugares, quase todos, ocupados. A luz do sol ainda batia pelos toldos de plástico do local, dispostos atrás de alguns computadores, quando sentei. No som, uma versão de “As rosas não falam”, de Cartola, em tango.

O lugar lotou, e muitos ficaram de pé. Logo reconheci os dois integrantes da banda de Virgínia Rosa - eram do grupo que tocou com Graça Cunha num show que fui na Casa das Rosas. O violonista e arranjador Dino Barione e o percussionista Douglas Alonso.

O palco estava armado de forma simples. Além da percussão e do violão, somente um copo de água instalado em uma mesinha de madeira pintada de preto. Com cinco minutos de atraso, o show começou. Sambas, basicamente, com arranjos bem estruturados e acompanhados da voz forte de Virgínia. As pessoas na platéia balançavam suavemente a cabeça com o batuque dos sambas

Muitos não conheciam quase nenhuma música das que estavam sendo apresentadas no palco, mas isso em nenhum momento foi problema. Como a cantora entoava as letras de forma clara, o público teve um prazer a mais. Descobria-se as músicas, assim como as poesias que traziam.

As pessoas na mesa continuavam a conversar normalmente. Quando Virgínia começou a cantar a música Sereno, percebi que o ambiente todo tinha, levemente, parado. As garçonetes, com olhares distantes e profundos, se esqueceram dos clientes para prestar atenção na música. Nas mesas, a maioria havia também parado de conversar para ver o que acontecia, enquanto alguns de seus amigos continuavam a falar sobre a vida, sem perceber que ninguém os ouvia.

A canção, escrita por Tito Pinheiro, era calma, serena como o próprio nome diz. De letra bonita.

Depois de apenas trinta e cinco minutos de show, tocaram a última música, e já saíam do palco quando o público pediu bis. Depois de perguntar ao povo da Fnac se podia, voltaram aos seus lugares e tocaram... As rosas não falam! Sim, aquele tango gostoso que ouvi logo que cheguei! Foram ovacionados por todos, e de lá Virgínia desceu para autografar cds.

Nota – 9

Custos:
Salgado – R$ 1,00
Transporte – Fui e voltei a pé

Set List:
1.Que bandeira – 2.Samba Torto – 3.Fado Morno – 4.Samba a dois – 5.Sereno – 6.Pressentimento – 7.Voltei – 8.Amado samba – Bis.As rosas não falam

18.2.07

De Corpo e Alma - CCSP - 15/02/07

A vida é assim mesmo

O dia estava esquisito, morno, mole e melancólico. Assim, indo a pé pelas ruas cheias de vento, cheguei ao Centro Cultural Vergueiro, às sete da noite, uma hora antes, para pegar o ingresso da sessão de cinema.

Ninguém por lá, sem fila. A bola da vez era uma peça de teatro, em promoção, a R$ 1,50. Ali sim, tinha fila, todo mundo sentado no chão esperando.

O filme que eu iria assistir faz parte do repertório do diretor americano Robert Altman, que morreu o ano passado aos 81 anos e dirigiu, entre outros, o inesquecível M.A.S.H.. O Centro Cultural Vergueiro começou a exibir os filmes de Altman, 19 ao todo, no dia 5 de fevereiro.

A sessão de De Corpo e Alma começou pontualmente às 20 horas e, quando terminou, a sensação mais forte era de que o filme não havia dramatizado o que interessava e também não dramatizara o que não interessava.

Parece complicado? Simples. Ali, mostrou-se essencial a relação entre a dançarina talentosa – mas que para sobreviver trabalha como garçonete em uma boate de balada - e o chef de cuisine. Porém, o romance entre os dois acontece de forma quase invisível, rápida, sem ruído ou conflitos marcantes, nos intervalos de um entorno multicolorido e semi glamuroso de uma companhia de dança – cujo trabalho ocupa a maior parte do filme.

A cena do Reveillon, quando Ry, a protagonista (Neve Campbell), chega em casa muito tarde e encontra o namorado dormindo, depois de ter arrumado uma mesa para os dois. Ela simplesmente deita-se ao lado dele no sofá e tudo bem. Tranqüilo, da vida.

Todas as situações que poderiam merecer, ou teriam chance de merecer, um ponto de tensão, seguem, quase ilesas. Altman deixa todas as deixas clichês se esvariem. Praticamente ninguém, por exemplo, interrompe o passo autoritário do diretor da Joffrey Ballet de Chicago, Alberto Antonelli (Malcolm McDowell, Laranja Mecânica) ele segue, também ileso. Sem drama. E da mesma forma, sem drama, são tratados os reveses do universo da dança, descontentamentos, rompimento de tendões, quedas...

Altman não coloca lente de aumento em nada, nem mesmo na apresentação dos espetáculos. E esse é o aspecto que mais chama atenção durante todo o filme.

De corpo e Alma vale para saber como o diretor desglamouriza o filme, do começo ao fim. O trabalho é competente principalmente porque se trata de um tema lotado de glamour

Nota 8

Custos
Fui e voltei a pé
Donuts – R$ 3,50

14.2.07

Arismar do Espírito Santo – Sesc Av. Paulista – 13/02/07

Cadê a Marreca?

Esperava na porta do camarim para que a produtora me trouxesse o set list com as músicas do show. Enquanto isso Arismar passeava calmamente, conversava com os músicos, tocava um pouco de violão. Faltavam vinte minutos para o show.

Figura grande, com andar calmo e pesado, nem parecia ser a estrela da noite. Caminhava de lá pra cá e conversava com quem o chamasse. Da fila, todos podiam vê-lo e muitos acenavam para ele. E o aceno era sempre retribuído. O músico estava vestido com calça e camiseta largas, ambas azuis.

Entramos todos para assistir ao show, e pouquíssimos lugares ficaram vagos. Durante a apresentação, não só os lugares vagos foram tomados como também as escadas.

Arismar do Espírito Santo é um dos melhores baixistas brasileiros, e do mundo também. Ao meu lado, falavam em espanhol. Atrás de mim, em inglês. Todos esperando para ver um bom show de música instrumental brasileira.

Pontualmente sete da noite, Arismar e a flautista Léa Freire entraram no palco. Depois de agradecer a presença do público, o músico sentou-se, pegou um violão de sete cordas e começou a tocar Luizinha.

Na segunda música, entrou seu filho, Thiago Espírito Santo – ótimo instrumentista que vem conquistando seu espaço no cenário musical –, o baterista Alex Buck e o saxofonista Vinicius Dorin. E o palco ganhou corpo. Interessante dessa música é que, logo no começo, ouvíamos um som de baixo, mas Thiago (foto ao lado), que estava com o instrumento, ainda não havia começado a tocar. O som vinha do violão de sete cordas de Arismar. Em suas mãos um violão pode se transformar facilmente em muitos instrumentos.

O show não começou com força total, mas foi esquentando. Na quarta música, Caiçara, pai e filho conversavam, e foi o momento em que o palco começou a pegar fogo. Enquanto Arismar continuava com seu violão de nilon, Thiago foi para um violão doze cordas. Diálogos incríveis, solos muito bons.

O Sesc gravava a apresentação, mas isso não interveio muito no desenrolar do show. Em nenhuma momento pararam para retomar uma música, ou as coisas que normalmente acontecem quando há gravações de shows.

Entrou o trompetista Daniel D´Alcantara que, com solos rápidos (por horas em exagero), deu novo fôlego às músicas. O set list era composto por temas que faziam parte do novo cd de Arismar, Foto de Satélite.

Uma das grandes e boas surpresas veio na música Tidinho. Arismar larga o violão e vai para a... bateria! Senta no banquinho da batera, que parece pequena perto dele, e dá um show. Viradas ótimas e riffs muito bem feitos.

Depois de cerca de uma hora e dez minutos de show, antes de começar a última música, Peixada da Lola, Thiago avisa Arismar: temos de refazer a música Cadê a Marreca. E Arismar avisa, sorridente, ao público: “Gente, vamos refazer a Marreca!!! Demais!”

No bis, Marreca. Melhor do que a primeira versão que havia sido tocada logo no começo do show. Saíram, mas o público, novamente aplaudindo de pé, fez com que voltassem.

Aí então a platéia não se conteve. Arismar pegou o baixo, e muitos comemoravam! As pessoas conhecem Arismar, principalmente, como baixista. E era a primeira vez na noite que ele e seu baixo se encontravam. Já havia tocado, naquela noite, violão de nilon, de aço, guitarra, bateria. Mas baixo, que é bom, nada.

Foi ridículo. O contrabaixo, nas mãos de Arismar, parecia brinquedo de criança. Fazia do baixo um violão, uma percussão, um baixo, uma guitarra. Acho que metade dos músicos presentes na platéia (havia muitos) ficou extremamente deprimida. Enquanto a outra metade não sabia onde colocar tanta felicidade.

Parecia platéia de show de jogo de futebol. As pessoas comemoravam trechos de solos, riam com as caras e bocas de Arismar. A banda ficou parada, assistindo, esperando a deixa para entrar. E ela não vinha. O baixista continuava a solar quando, de repente, deu a nota de entrada para a banda. Flauta, sax e trompete voaram para seus respectivos microfones, enquanto o publico caiu na gargalhada.

Nota – 9

Custos
Pizza – R$ 1,50
Transporte – fui e voltei a pé

Set List: Luizinha, O Filme, Cadê a Marreca, Caiçara, Tira a Mão, Vestido Longo, Vestido Longo, Varandão, Foto do Satélite, Tidinho, Serena, A Gueixa, Peixada da Lola

10.2.07

Velha Guarda da Camisa Verde e Branco – Fnac Paulista – 09/02/07

Samba com o manto sagrado

Vestidos de vermelho e branco, os Filhos de São Mateus acomodaram-se nas cadeiras dispostas em semi-círculo e começaram a tocar um samba. Eles são um grupo formado por jovens que acompanhariam a velha guarda. O péssimo som da Fnac atrapalhou, e atrapalhou muito. Quase não dava para entender o que os cantores diziam.

Depois da primeira música, chamaram aqueles a quem todos estavam lá para ver, a Velha Guarda da Camisa Verde e Branco. Vestidos com camisas brancas e coletes verdes, calças brancas e sapatos verde-brancos, os seis senhores espremeram-se no pequeno palco da Fnac e agradeceram ao público.

Não são palmeirenses, e seus produtores insistiram nesse quesito: “é uma escola de samba, não um time de futebol. E a maioria é são-paulina”. Apesar da decepção, continuei assistindo ao espetáculo que, se não primava pelo bom gosto futebolístico, primava pelo musical.

Canções daquelas de malandro, nas quais o sambista chega em casa altas horas da noite e tem que se ver com a patroa. Tristezas da vida, solidão e mágoas infindas. Exaltações da vida de pagode e cerveja, que leva em alegria a existência até o sol raiar. São o tipo de pessoas com quem você gostaria de estar num boteco por horas e horas a fio.

Enquanto os filhos de São Mateus tocavam os sambas, os vechi signori cantavam. A cada música um dos seis integrantes tomava as rédeas do microfone principal enquanto os outros ajudavam nos refrões. Ainda sim, o som abafado da casa nos deixava em grandes dificuldades para entender o que cantavam. Vale lembrar a banda não chegou a tempo para passar o som, então não se pode colocar toda a culpa na casa.

A Velha Guarda era formada por senhores negros vestidos de verde e branco. Todos, com disposição invejável, ensaiavam alguns passos de samba no pequeno palco, cantavam alto, puxavam palmas em todas as músicas, saiam do palco para ficar mais pertos do público. Quando o microfone de um deles parou de funcionar (fato que o deixou um tanto quando bravo, com razão), não teve galho. Levou no gogó a música e todos podiam ouví-lo, como se estivéssemos num bar.

Foram apenas quarenta minutos de apresentação para uma Fnac completamente lotada - tanto o espaço reservado aos shows quanto o café em frente. Ninguém sambou, pois o espaço não comportava, mas todos saíram de lá com um sorriso no rosto. Algo de mágico naqueles seis senhores vestidos com as cores do manto sagrado do futebol.

Repertório: Hino da Velha Guarda, Canto pra viver, baiana da Ribeira, Nata do Samba, Minha Preta, Quem censurar, Se fosse pra chorar, Sampa só samba, Se eu chorar, Quando, Lamento Negro, pot-pourri (sambas de enredo)

Integrantes da Velha Guarda: Dadinho, Nelson Primo, Airton Santa Maria, Mário Luz, Hailtinho, Paulo Henrique
Integrantes do Filhos de São Mateus: Emerson (cavaco), Leandro (Violão), Junior Alemão (repique), Tiago (pandeiro) e Hugo (surdo)
Produtores: Carmo Lima, Fernanda Thomaz

Custos:
Soda Italiana: R$ 3,10
Pão de queijo (cestinha): R$ 2,40
Transporte: fui e voltei a pé
Total: R$ 5,50

Nota: 8

6.2.07

Gregório Gruber – Espaço Cultural Citigroup – 06/02/07

São Paulo das doces lembranças

São Paulo fosca, de paixões infantis e sonhos distantes. Com cores esfumaçadas, Gregório Gruber traça uma cidade que faz a imaginação e a memória se cruzarem. Para quem vive nessa metrópole, as cenas têm um impacto ainda maior: Masp, São Bento, Gasômetro (ao lado), centro, tudo é inspiração, tudo é cenário.

Uma criança desce de bicicleta uma rua semideserta. Os pequenos sobrados com suas janelas abertas mostrando o televisor ligado revelam identidades semelhantes de famílias com histórias distintas. E parecidas.

São Paulo de Gruber é a cidade que nós pensamos quando estamos fora dela. Aquela cidade gostosa, cuja lembrança nos acalma. O quadro que mostra a Avenida Paulista relaxa os olhos de quem vive ou viveu aqui por anos e anos.

O pintor usa traços definidos que, misturados com cores foscas (que lembram um pouco as do impressionismo), resultam em um bom trabalho. Uma espécie de sonho daquela São Paulo que ficou guardada em nossas lembranças infantis – uma cidade boa e doce.

Quando se põe a pintar quadros com temas não urbanos, Gruber também impressiona. No “Reserva em Turquesa” (ao lado), constrói os galhos da árvore com filetes de tinta verde, como se eles tivessem escorrido por conta própria na tela.

Outra obra que vale a pena ser vista com mais cuidado é Perdizes, um painel que mostra o bairro e, ao fundo, o Pico do Jaraguá. A vista é a de um apartamento, no final de tarde. As cores fazem o observador não ter certeza se Gruber tenta relatar um sonho ou uma daqueles finais de tarde gostosos passados à janela de um apartamento. Os dois, muito provavelmente.

Saí da exposição leve, e voltei para minha São Paulo. Bem parecida, por sinal, com a cidade retratada.

Local: Espaço Cultural Citigroup (Av. Paulista, 1.111)

Custos:
Salgado: R$ 1,50
Transporte: fui e voltei a pé

Nota: 9

Qual a sua impressão sobre a cidade de São Paulo ou sobre outra cidade? Comente abaixo!

5.2.07

Adaptação – CCSP – 04/02/07

Como escrever um drama sobre uma flor

Os lugares da pequena e agradável sala de cinema do Centro Cultural Vergueiro (CCSP) estavam tomados. Nem o show da banda Golpe de Estado (também no CCSP) nem os jogos do Paulistão deste domingo conseguiram esvaziar a sala - e seis e cinco o filme começou.

Adaptação é do mesmo diretor, Spike Jonze, e do mesmo roteirista, Charlie Kaufman, de Quero Ser John Malkovich. E é exatamente com um um suposto making of deste filme que Jonze abre a primeira cena de Adaptação. A câmera mostra a equipe de trabalho, e focaliza o tímido roteirista, quase invisível. Nicolas Cage.

A atuação de Cage é impecável. Parece não ser ele, e sim um outro ator, já que não reconhecemos na personagem Charlie Kaufman (sim, um hortônimo do roteirista) nenhum traço dos outros papéis anteriormente interpretados pelo ator. Além de Charlie, Cage interpreta Donald, seu irmão gêmeo.

Um começo de filme europeu, daqueles fantásticos e com diálogos que nos levam a pensar sobre muitos assuntos de formas variadas; um final de filme americano, com todos os temperos dos hollywoodianos bons.

Adaptar-se é não morrer, é poder mudar e seguir em diante. “Adaptação é um processo profundo”, segundo o próprio filme. “Mudar não é uma escolha”.

Charlie é um roteirista reconhecidamente bom, contratado para transformar o livro de uma jornalista do The New Yorker, Suzie (Meryl Streep), em roteiro de cinema. O livro é sobre orquídeas - e sobre um horticultor que entende bastante sobre o assunto.

Bloqueios mentais atrapalham Charlie a escrever o roteiro sobre o tema que pensa ser o principal do livro, as flores. A partir disso, com a ajuda de seu irmão, vai sofrendo o processo de mutação ao qual o filme se propõe.

No decorrer da ação, as duas personagens principais, Charlie e Suzie, vão se adaptando, passando pelo longo e profundo processo. Sem volta, claro.

É um filme para se ter na estante, assistir feliz, triste, cansado, animado. Sempre haverá uma nova visão, algo que não foi percebido. Ainda mais por ser um daqueles filmes com falas fantásticas, que demoram um tempo para ser decantadas. Um dos melhores filmes que já vi, com certeza.

Custos:
Sanduíche: R$ 1,20
Transporte: fui e voltei a pé

Nota: 10

3.2.07

Cinema do Roy - Oscar e Sundance

Oscar e Sundance
por Roy Frenkiel

A maior festa do cinema comercial está a menos de dois meses daqui. A entrega do Oscar, esperada ansiosamente pelos fanáticos, conhecedores e apreciadores da arte cinematográfica já tem seu processo iniciado. Os melhores filmes já estão nomeados. Mas, nos Estados Unidos, em uma cidade nem tão distante do local da entrega do Oscar, Los Angeles, também existe um outro festival, um dos mais importantes do cinema independente, provavelmente perdendo em popularidade apenas para o Cannés.

Trata-se do Sundance Film Festival, realizado em Park City, um dos festivais de maior audiência nacional, mas que há alguns anos não tinha nem metade do tamanho atual. Com o mesmo pretexto do festival de Cannés, o Sundance traz à tona diretores, escritores, produtores, atores e coreografistas do cinema independente de grande qualidade. Dezenas ou centenas de filmes foram escolhidos entre dezenas de milhares, mas isto faz parte da inovação do cinema independente no geral. Afinal, há vinte anos entrar no Sundance significava não fazer parte das uniões de Hollywood, e quase ninguém se arriscava. Em comparação, atualmente há outros festivais com o mesmo propósito do Sundance. Em um deles, por exemplo, apenas entra quem obtiver uma carta de rejeição do próprio. Todos os festivais, ou quase todos, permanecem constantemente lotados. O motivo? A popularidade dos filmes alternativos tem mudado a face mundial do cinema.

Isso se deve à falta de originalidade iminente, expressa nos últimos anos em Hollywood, enquanto uma boa parte dos melhores filmes era apenas uma reconstrução de obras já feitas no passado. A moda seguiu, cresceu, e, aparentemente, encheu. Um outro quesito é a transformação das gerações de cinéfilos, procurando algo que desafie suas mentes, que proponha uma realidade fictícia menos superficial. O cinema internacional, com o desenvolvimento da globalização cibernética, também contribuiu para o fenômeno. Atualmente, ser um diretor de filmes independentes gera créditos similares aos dos diretores hollywoodianos. No Sundance, por exemplo, o mesmo estilo independente mudou, e cineastas procuram expressar menos suas próprias perspectivas de suas herméticas vidas, para expressar assuntos de importância global.

Há alguns filmes importantes para o Sundance, a maioria inéditos, e confesso que não os assisti. Assisti alguns dos ganhadores dos anos passados, como “Land of Plenty” (Wim Wenders, 2004), com a atuação da quase famosa Michelle Williams, e um elenco humilde. Trata-se de uma missionária, acostumada com os conflitos da Faixa de Gaza e a fronteira isralense, que volta para os Estados Unidos em busca de seu tio, e percebe que, enquanto na Faixa de Gaza critica-se os Estados Unidos pelo capitalismo cruel, pela ostenção de valores monetários e pela destruição dos valores alheios, os Estados Unidos em realidade se encontra em crises financeiras e sociais intensas, mas ignoradas em prol do que ocorre no Iraque. O filme não é dos melhores, mas definitivamente toca em pontos sensíveis e essenciais. A quem encontrar, recomendo.

Para o Oscar, a situação não é das piores este ano, pelo mesmo efeito, a necessidade de criar alternativas dentro do cinema comercial. “Babel,” por exemplo, de Alejandro Gonzáles Iñárritu (diretor de “Amores Perros,” 2005, um dos melhores filmes de humor negro que já assisti), é o favorito ao prêmio de melhor filme, ao lado de “Little Miss Sunshine” (2006, Jonathan Dayton e Valerie Faris), “The Departed” (Martin Scorsese, 2006), “Letters from Iwo Jima” (do veterano Clint Eastwood, 2006) e “The Queen” (Stephen Frears, 2006). No caso de “Little Miss Sunshine,” já se testemunha a mudança do ângulo escolhido para entreter uma audiência. O filme, de modo geral, trata da má sorte, da disfunção familiar e conceitos sociais descartáveis, bem como do ser humano, lidando com as dificuldades absurdas do cotidiano. Talvez os filmes de Scorsese, de Eastwood e de Frears, não tratem do ângulo mais original possível. Mesmo assim, certamente o fazem Alejandro Gonzáles em “Babel” (cujo tema prefiro deixar no ar) e os diretores de “Little Miss Sunshine”. Vale a pena assistir.

Quanto ao cinema, fiquem espertos: O mundo está mudando. O cinema faz parte do mundo. Logo, o cinema está mudando.

Aos abrax,

Roy Frenkiel

Eletrobatucada – Fnac Paulista – 02/02/07

Samba roots

O palco preparado para o show da Banda Eletrobatucada era o típico de uma roda de samba. Além de percussões e uma pequena bateria, duas mesas com porções de amendoim, balde de cerveja, pandeiros e letras de música.

Vinte cadeiras estavam dispostas para o público, e cerca de metade já estava tomada quando eu cheguei. No café em frente ao palco, bastante movimento.

Sete e dez a banda se sentou; um violão, um cavaquinho, dois percussionistas e dois cantores. Logo de cara o pessoal da Eletrobatucada começou a tocar Brasil Pandeiro, um dos clássicos do samba.

As vozes do conjunto, uma masculina e outra feminina, desafinavam vez ou outra. Apesar disso, era gostoso ouvir cantá-los aquelas músicas num ambiente propício a um bom samba.

A banda é formada por bons músicos, mas falta ensaio. Erravam algumas entradas e saídas de canções, e tudo era meio mambembe, meio jazz. Mas ia-se levando o show na maior onda, com um repertório bem tradicional.

Estava sentado na primeira cadeira, colada aos músicos. Decidi sair e ir ao café em frente para conseguir uma segunda visão do show.

Logo que levantei fiquei surpreso: muitas pessoas estavam de pé vendo o show - pararam para ouvir aquele som que os agradou enquanto viam livros e afins. Garçons sambavam enquanto os casais assistiam abraçados. Tanto quem estava na cadeira quanto quem estava de pé não conseguia ficar totalmente parado. Ou mexia o pé, ou a cabeça. Alguma parte do corpo tinha de sambar.

Sentei na única mesa vaga do café para assistir ao resto do show. Um rapaz, em inglês, pediu para sentar em um dos lugares vagos da mesa. Ele veio da Suécia fazer um curso no Brasil. Estava passeando pela loja quando ouviu aquele som. Achou ótimo e veio ver o que era. Nunca tinha escutado samba na vida, e adorou.

Realmente, Eletrobatucada é a medida ideal para quem quer conhecer o samba. No repertório, somente os sambas mais conhecidos tocados de forma tradicional. Por vez e outra algum som eletrônico, mas que não altera muito o resultado final.

A reação do público, que foi pouco a pouco tomando o espaço com gente que passava, diz bastante sobre a banda. Uma bom conjunto, que tem todo o clima de uma roda de samba e toca as músicas que todos gostam de ouvir.

Set List: Brasil Pandeiro, Argumento, Coração Leviano, Só tinha de ser com você, Bala com bala, Mas que nada, Brasileirinho (instrumental), Piano na Mangueira, Lama, Na tonga da mironga, Berimbau, Timoneiro, Coqueiro Verde, Mestre Sala dos Mares, Alegria, Ouro e madeira, Água de beber, o morro não tem vez.

Custos – R$ 0,00
Transporte – fui e voltei a pé

Nota – 7,5