29.10.06

Causos - Futebol e Ballet

Futebol e Ballet
por Luciano Piccazio

Carmem era quase um homem. Trinta em poucos anos, tinha tudo para virar bailarina, mas escolheu ser jogadora de futebol.

Sua mãe, dançarina profissional, chorava quase todos os dias. Deu educação espartana à pequena, e a pequena foi crescendo, e crescendo, e crescendo. Não sabia bem o que havia acontecido, mas Carmem, criada e educada a passos de plié e grand plié, largou tudo para dedicar-se ao esporte.

Certo dia, depois de um jogo, Carmem foi chamada de canto por uma colega de time. “Carmem, tua mãe está aí, quer falar com você”. Toda suada, fedendo futebol, foi até o encontro de sua mãe, que chorava em prantos.

- Querida, você precisa vir comigo. Seu pai está mal. O coração dele já não era lá essas coisas. Agora parece que piorou.

Chateada de perder o chopp com as amigas, lá se foi a atleta ao hospital. Chegou lá, mas o velho pai, bailarino assim como a mãe, já havia falecido. Triste, Carmem ajudou a preparar as papeladas do enterro, e quase bateu no agente funerário quando este lhe falou o preço dos documentos.

Sua mãe chamou-a de lado.

- Carmenzita querida, tenho que te falar. Que foi, mãe? Seu pai me falou algo antes de morrer. Falou o que? Então, ele tinha um último desejo. Ahn, fala. Você sabe que teu pai te amava muito, né? Sei. Então, ele queria que você dançasse numa apresentação de ballet, ao menos uma vez na vida. Tá me zuando, né? Não, falo sério. Ah, mãe, pelamordeDeus, olha pra mim. Filhinha, por favor, era importante pro seu pai. Parece mais coisa sua. Não é não, se fosse te falaria, por favor, você sabe, desejo de quem ta pra morrer é sagrado, se não cumprir pode dar o maior problema. Já vem você zicando, mãe, porra. É sério.

E foi assim, com tais argumentos tão convincentes, que Carmem, Carmenzita, foi ensaiar para o ballet que a escola de dança de sua mãe apresentaria no final do ano. Já era outubro, então haveria apenas mais um mês de ensaio.

Pularemos a parte dos ensaios e vamos direto à apresentação. O teatro estava lotado de mães vestidas como abajures coloridos e exageradamente perfumados, maridos tentando fazer um social com as mulheres oficiais, crianças catarrentas correndo de um lado para o outro, alunas do ballet preocupadas com a apresentação que, para elas, é nada mais do que a coisa mais importante do mundo.

Na coxia, Carmem lutava, mais uma vez, contra o espartilho. Não havia santo que a fizesse entrar naquilo. Desde o começo dos ensaios já havia rasgado dois, e não queria rasgar mais um. Ao menos não involuntariamente. As sapatilhas foram mais fáceis de entrar, já que haviam mandado fazer um no seu número, 42.

Tudo pronto, Carmem com aquele corpo de um jogador de futebol, totalmente cor de rosa, pequenas penugens aparecendo no rosto. Começa a música “arroz-de-festa” do Tchaikovsky.

De repente, um estalo. Havia tentado ser bailarina no último mês. Obviamente sem sucesso nenhum, já que aquela não era sua praia. Porque não jogar futebol ali, naquele teatro? Claro! Ia dançar como se estivesse em campo, como se fosse Ronaldinho Gaúcho, quando não joga pela seleção.

Então, entrou Carmem em campo. Gramado livre, deu duas piruetas mágicas para se exibir para os torcedores, que vibraram. Quando entrou o primeiro marcador, gingou para a direita, gingou para a esquerda, e deixou o adversário de espacate aberto no chão.

Quantos mais marcadores e companheiros de time chegavam, mais Carmem brilhava. Brilhava e o público ia à loucura. As mães esqueciam de suas filhas e os pais do jogo importantíssimo entre Figueirense e Criciúma que haviam perdido. Aquilo era muito mais interessante. Quando acabou o espetáculo, Carmem saiu comemorando dando socos no ar, como Raí. Saiu de lá correndo e foi para a coxia. Foi para o chuveiro.

Luciano Piccazio é editor do Blog Arte Free

28.10.06

O Masculino na dança – CCSP – 27/10/06

Como ler um corpo que dança

Christine Greiner, professora do Departamento de Linguagens do Corpo da PUC/SP, sobe ao palco. As pessoas ainda se acomodam em seus assentos para assistir às apresentações quando ela começou a falar. Todas as sextas-feiras neste espetáculo, O Masculino na Dança, ela dá uma mini-palestra para o público, com o objetivo de instruir e conversar sobre dança contemporânea, sempre abordando um aspecto diferente.

O tema da palestra foi “A dança contemporânea e jornalismo cultural”. Reclamou que os jornalistas culturais só cobrem as mega-produções, aquelas que custam uma fortuna. Disse também que muitas pessoas ainda não aprenderam a ver dança contemporânea, e vão ao espetáculo ainda com aquele formato do formato do ballet na cabeça – e normalmente se decepcionam.

Apagaram-se as luzes e no palco surge um dançarino com um cachorro Pluto de pelúcia. Começa a se mexer e interagir com o animal, e seu corpo mostra a flexibilidade de uma marionete.

A afeição do personagem pelo bicho de pelúcia, seus movimentos que foram deixando cada vez mais claros sua mensagem e o vídeo que passava enquanto dançava criaram um ambiente que deixou público animado. Comentavam e riam da ótima apresentação de Milton.

O segundo a se apresentar foi Marcos Buiati. Com muitas semelhanças com a primeira apresentação, Marcos também mexia seu corpo como se esse fosse um objeto. A imagem é a de uma pessoa manuseando um objeto, mas o controlador e o controlado são, no caso, a mesma pessoa.

Marcos começou a dançar e não havia música, passos estranhos que mostravam que alguma coisa estava fora de lugar. Quando começou a música, para surpresa geral, parou. Depois de alguns momentos voltou a dançar, e assim seguiu até o fim. Parecia completar a apresentação anterior.

Thiago Arruda Leite foi o primeiro a usar sapatos (os outros estavam descalços), e dançava ao som era um hip-hop, sob um foco único de luz. Porém, aquele foco único parecia não bastar. O hip-hop tem vários estilos de dança, mas todos muito limitadores, sem espaços para criações ou análises dos movimentos. Dentro do foco de luz Thiago não conseguia dançar. Seu corpo, sozinho, chamava-o para tentar novos passos.

Tanto dançava que um segundo foco de luz apareceu, mas esse também não foi suficiente. Veio um terceiro foco de luz. Até a hora em que o dançarino dá um basta, e os focos de luz somem. No som começa a tocar Marvin Gaye, e Thiago mostra toda a dança que sabe, livre de limitações. Ao final, volta o primeiro foco de luz, mas sua volta é triunfal: pode dançar tudo o que quiser dentro do foco de luz, já que agora é livre.

Alexandre Tripiciano, último a se apresentar, é o dançarino urbano. Aquela imagem do malandro paulistano de trinta anos que gosta de Jorge Vercilo e sair pela noite em busca de diversão. Só que os primeiros momentos desse dançar/viver é desesperador, causa agonia e não vem acompanhado nem de música. Quando começa a tocar uma canção de Marcos Valle, o dançarino parece se transformar, do extremamente triste passa ao extremamente feliz, dançando e sambando ao som da música.

Se fosse dar uma nota para cada uma das quatro apresentações, daria 10 para cada uma delas. Apresentações que valeram a pena individualmente e também em seu conjunto. Ao final, ainda tivemos a oportunidade de conversar com os dançarinos, que, junto com a professora Christine Greiner, responderam as dúvidas da platéia.

Nota – 10

Custos – nada
(fui e voltei a pé)

Apresentações:
-Alguém pra chamar de meu bem
Concepção, coreografia e interpretação: Milton Coatti

-Outras histórias:
Direção, coreografia, figurino e apresentação: Marcos Buiati

-Arruda:
Criação e interpretação – Thiago Arruda Leite

-Parabéns
Criação e interpretação – Alexandre Tripiciano

27.10.06

Grupo dos sete – Teatrosamba do Caixote – CCSP – 26/10/2006

“Beba do samba”

O projeto “5° na faixa”, do Centro Cultural de São Paulo, tem se mostrado um eficiente meio de divulgação de talentos. O Grupo dos sete aproveitou esta oportunidade para gravar o DVD de sua montagem “Teatrosamba do caixote”. Mesmo antes das sete horas, horário previsto para o início, o grupo já havia iniciado o espetáculo na sala Adoniran Barbosa, o que confundiu o público recém-chegado ao local.

Seis homens e uma mulher preenchiam o palco, sentados em caixotes, em um círculo, simulando uma roda de samba tradicional. Após a primeira canção explicou-se o motivo do início confuso, ainda sem a presença de todos: aquelas músicas tocadas seriam os extras do DVD, portanto não faziam parte necessariamente do show.

A proposta era a mistura de diversos sambas com cenas de teatro. Eram quatro instrumentos para a música ao vivo: violão, cavaquinho, flauta e recursos de percussão, enquanto os outros três revezavam-se no vocal. Uma idéia interessante que realmente parecia funcionar, pois o público se animava com as músicas alegres e davam risadas com as cenas inseridas no contexto do evento. Poemas diversos foram musicados, enriquecendo cada palavra através dos belos arranjos inseridos.

Porém, o que era para ser mais um atrativo do show tornou-se o grande problema: a gravação do DVD. Desde a espera para que trocassem as fitas das câmeras até a repetição de uma mesma cena três ou quatro vezes, tudo ao redor do público fazia com que nos sentíssemos em um estúdio musical. Quando um erro era cometido, tudo parava e voltava até um ponto anterior, para que a cena fosse registrada com uma suposta perfeição. Por vezes este problema foi motivo de risadas, quando os atores souberam lidar com a dificuldade e criaram piadas para não perder o público. Outras, porém, o clima de descontentamento com aquela atitude era evidente.

Mesmo passando por problemas de entrosamento e errando diversos tempos e letras das músicas, ainda existia intimidade dos atores com o público. E isto acontecia devido ao enorme carisma e talento esbanjado no palco. Contextos históricos das influências naquelas montagens também colaboraram, pois foram apresentados com clareza, como a história da personagem criada pelo engenheiro Alexandre Marcondes Machado: Baronelli, que era italiano e proporcionou as melhores risadas daquela noite, mesmo que tenham sido poucas.

Por fim, ainda houve tempo para duas homenagens a São Paulo, citando o nosso metrô e um clássico poema de Mário de Andrade musicado. Apesar dos diversos erros e das inúmeras repetições de cenas e canções, a mensagem foi transmitida, resumida na música de entrada e de despedida, entoada por todos no final: “Beba do samba, beba da chama também”.

Custos:
Transporte – R$ 0,00 (ida e volta a pé)
Total – R$ 0,00

Nota – 8

por Allan Brito

Coluna Crônicas Literárias - 27/10/06

Monsenhor Quixote

Grahan Greene sempre se declarou um apaixonado pela obra do maior autor espanhol de todos os tempos, Miguel de Cervantes, e seu sublime Dom Quixote de la Mancha. Em sua homenagem, Greene escreveu uma parábola, o livro Monsenhor Quixote... (leia mais)

25.10.06

Aldemir Martins – Sesc Vila Mariana – 25/10/06

“Que o mundo é bonito”

Alguma coisa acontece no Sesc Vila Mariana. De longe, assim que passamos a entrada do lugar, já vemos os vidros do Hall pintados; mais uma exposição? Também. Uma mostra de quadros de um artista que morreu no ano passado e deixou para nós um legado de arte expressionista de qualidade altíssima.

Certo dia, uma jornalista perguntou ao desenhista Aldemir Martins o que queria dizer com sua obra. “Que o mundo é bonito”, respondeu.

A resposta, magnífica e simples, não fica só no discurso. Nas obras deste artista brasileiro se refletem a beleza humana e o cotidiano de bichos e gentes de forma contemporânea e compreensível, bela e direta.

Cores fortes, traços fortes e mensagens simples. Pode haver mil interpretações para o quadro Gatão Azul, mas, em suma, é só um gato azul. E isso que é o mais bonito das obras deste artista; ser direto e passar as mensagens simples e importantes, como o desenvolvimento do amor pela natureza para quem vê seus quadros.

Um desenho belíssimo é Cavalo Vermelho, no qual pinta um cavalo visto de frente – tipo de desenho considerado difícil de ser feito.

Além de seus desenhos e pinturas (os dois, na verdade, se misturam), há uma parte da exposição com esculturas do artista. Uma que chama a atenção é a Galo/Vermelho, feita de resina acrílica. São esculturas que despertam o interesse por motivos similares aos dos quadros, como beleza pela simplicidade e traços fortes e “exagerados”.

Avançando mais um pouco, há uma seção que lembra uma cozinha. Nela, estão expostos objetos que levam os traços de Aldemir Martins. Canecas com desenhos seus, latas de tintas, caixas de fósforo e até máquinas de escrever! Nisso, pode-se ver que o artista conseguiu conciliar em sua carreira a arte e sua comercialização. O instinto comercial da Arte Contemporânea.

Dá pra notar a mudança no traço do artista no decorrer dos anos e décadas, e uma das muitas qualidades da exposição montada por Jacob Klintowitz é exatamente expor as obras de modo cronológico. Na década de sessenta, tinha cores gritantes e traços fortes, num estilo expressionista contemporâneo. Depois, fica claro que tenta trabalhar com as várias tonalidades de cinza, sem deixar de pintar quadros laranjas, vermelhos, verdes e afins.

Se for visitar essa exposição (vale o esforço), não deixe de ver o quadro A Flor do Café. É em preto-e-branco, com o desenho de uma mulher que segura uma rosa. A rosa, vermelha, é o único objeto colorido do quadro.

Nota 9,5

Custos
Transporte (fui e voltei a pé)
Café – R$ 1,30

Coluna Gestão Cultural - 25/10/06

Um ônibus para o Jardim Miriam

Desde o dia 7 de outubro, o trajeto que para muitos é uma desesperadora rotina transfigurou-se em arte. Um ônibus, que cautelosamente sai às 14 horas, todos os dias, do Pavilhão da Bienal, tem como destino o Jamac, Jardim Miriam Arte Clube. (leia mais)

Gestão Cultural - Um ônibus para o Jardim Miriam

Um ônibus para o Jardim Miriam
por Claudia Piccazio

Em horário de pico não é nada complicado imaginar como ficam os ônibus na cidade de São Paulo. Andar de ônibus no começo e no final do dia envolve uma rotina extenuante que consome horas dos trabalhadores – por vezes quatro a cinco - e deixa em frangalhos o corpo, a mente e o emocional de quem está lá dentro espremido, bem pior do que uma sardinha em lata. Ir para o Jardim Miriam, zona sul da cidade, nesses horários não é diferente.

Desde o dia 7 de outubro, o trajeto que para muitos é uma desesperadora rotina transfigurou-se em arte. Um ônibus, que cautelosamente sai às 14 horas, todos os dias, do Pavilhão da Bienal, tem como destino o Jamac, Jardim Miriam Arte Clube. Os passageiros deste ônibus fazem parte do público que visita a 27ª Bienal de São Paulo cujo tema é Como Viver Junto - o que, aproveitando a deixa, exige uma infinita tolerância àqueles que se transportam em ônibus comuns. Mas, nesse caso, os passageiros reservam seus lugares com antecedência e viajam de graça.

A curadora da Bienal deste ano, Lisette Lagnado, declarou em entrevistas que “o trabalho criativo transcende as paredes expositivas”. E de fato, as múltiplas e criativas atividades planejadas e discutidas durante todo o ano passado agregaram à Bienal, considerado o mais importante evento internacional de artes, como a curadora mesmo afirmou, valor de um Congresso Cultural.

Porém, o trajeto até o Jardim Miriam percorre um caminho especial. É a forma como, onde e porque os artistas de lá resolveram fazer arte. Pintam muros, praças, casas, escolas de tal maneira que interferem no espaço público e transformam vidas, incluindo as suas próprias.

A artista plástica Mônica Nador, criadora do JAMAC, coloca de forma bem clara a direção desse caminho na matéria As paredes estão ruindo ou sendo pintadas? Assinada por Fernando Oliva e publicada no site http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br

“Em 1996, topei com o texto The End of Painting [1981], de Douglas Crimp. Desde então, nunca mais produzi telas nem realizei individuais em galerias. Ficou impossível continuar com meu trabalho da forma como era. Não penso que a arte possa transformar as estruturas sociais, mas acho cada vez mais difícil o exercício de uma prática que não inclua este fato. Para mim, é impossível trabalhar em um país como o Brasil sem considerar nossa realidade social. Não acho que vou mudar muita coisa, talvez nada, mas não quero passar batido. Há seis anos dedico todo o meu tempo ao Projeto Paredes Pinturas, um conjunto aberto de pinturas murais feito em bairros pobres das grandes cidades e em cidadezinhas do interior. Atualmente eu não tenho mais apego material em relação aos trabalhos de arte. Faço os projetos para os murais em qualquer lugar, no chão, sobre uma mesa qualquer, em cima do joelho... Agora há pouco, lá no Jamac (Jardim Miriam Arte Clube), fiz um desenho junto com um garoto da comunidade. Nem ateliê tenho mais, só sobrou uma mesa, que costumo usar para ler e estudar. Hoje, meu ateliê é a rua.”

Tudo bem. Há quem diga que não é esse o papel da arte Talvez não seja. Mas, se “uma equipe internacional de curadores viajou o mundo em busca dos artistas que melhor representam os ideais e conflitos da vida contemporânea em espaços compartilhados.” Por que não considerar o espaço interno de um ônibus?

E depois, nada contra, se por causa da arte e pela arte, os moradores do Jardim Miriam, assim como o de todos os outros jardins, forem transportados com a mesma qualidade e conforto do que os visitantes da Bienal. Olha só, vai ser lindo!

Claudia Piccazio é jornalista
Serviço:
Jamac – Jardim Miriam Arte Clube
Ônibus gratuito para visita ao projeto. De 12/10 a 17/12/06. Quinta e dom. (com exceção de 30/11/06) e quarta, apenas 29/11/06. Saída: Pavilhão da Bienal, às 14h. Retorno: Jamac, às 17h. Inscrições com Gabriela Guimarães por telefone (0++/11/5576-7678) ou e-mail (gabriela@bienalsaopaulo.org.br). Visitas individuais, com transporte por conta própria, também podem ser agendadas: segunda, quarta e sexta, entre 13h e 18h, por telefone (0++/11/5626-9720

22.10.06

Reciclasa – CCSP - 21/10/2006

Novas idéias de transformação

A reciclagem se tornou nos últimos anos um dos principais temas nas discussões sobre a preservação do meio ambiente. Apesar de não ser colocada em prática como deveria, grande parte da população já possui os conhecimentos e as facilidades necessárias para que esta excelente ação seja tomada para o bem de todos. O que poucos sabem é que, além da proteção aos recursos da natureza, a reciclagem também faz muito bem aos olhos. A admiração e surpresa com as idéias do projeto Reciclasa eram inevitáveis.

Uma sala, dois quartos, cozinha, escritório e até mesmo um pátio externo foram criados no CCSP. Observando à distância ninguém poderia afirmar seguramente que os materiais utilizados eram recicláveis, tamanho foi o cuidado tomado pelos artistas. E mesmo ao chegar perto é possível surpreender-se: ao lado de cada cômodo da casa montada havia um guia - também feito com papel reciclado, claro – explicando os matérias utilizados em cada objeto e, assim, percebiam-se detalhes ainda mais inusitados.

Desde matérias mais comuns em projetos deste tipo como latas, garrafas e jornal até os mais curiosos, como fibra de bananeira e de coco, bobina de filme fotográfico, tubo de pasta de dente e pneus. A exposição esbanja criatividade e chega a ser espantosa a riqueza de idéias encontradas em cada objeto construído. As disposições das cores em cada local e a similaridade com o lar de qualquer pessoa criam um ambiente familiar cômodo. O que incomoda para que este sentimento seja totalmente recebido são as cordas colocadas para manter distância entre o público e as obras. Porém, elas são justificáveis para que não haja interferências graves em objetos tão sutis e frágeis.

O público que visita a exposição se diverte com a exposição. Em uma mesa da cozinha restaurada com decoupagem havia algumas propagandas antigas para decorar que causavam nostalgias e risadas em todos que reparavam. O tempo gasto em cada cômodo para admirá-lo é grande devido à necessidade de uma cuidadosa observação para que se perceba como foram feitos aqueles objetos, afinal tudo estava muito bem disfarçado. Além disso, famílias acomodavam-se nas poltronas feitas de embalagens plásticas e realmente descansavam, como se não houvesse qualquer diferença entre aqueles bancos e os que utilizamos em qualquer praça, o que mostra como o projeto é totalmente viável e útil à sociedade.

Vale a pena visitar esse trabalho feito com tanto esmero e criatividade. Sinta-se em casa para a visitação!

Custos:
Transporte – R$ 0,00 (ida e volta a pé)
Total – R$ 0,00

Nota – 9

por Allan Brito

21.10.06

27a Bienal da Casa da Xiclet - Casa da Xiclet - 20/10/06

Vivendo longe

Cheguei à Casa da Xiclet. Não havia nenhuma campaínha e o portão estava trancado. Então bati palmas, gritei, e nada. Perguntei ao mecânico do outro lado da estreita rua como chamar alguém da casa, e me disse que havia uma campaínha em cima do muro. Apoiei com minha mão esquerda no muro e descobri que, além da campainha já não estar mais lá, no muro havia um pouco de tinta fresca. Depois de alguns minutos, apareceu alguém de dentro da casa e consegui chamá-lo.

O rapaz chama a Xiclet (Adriana Matos Alves Duarte) e ela vem me abrir o portão. Pede desculpas, diz que o portão normalmente fica aberto e me indica uma torneira para lavar a minha mão, nessa hora, branca de tinta.

É uma casa espaçosa, um terreno agradável incrustado na Vila Madalena. Lá, expõe obras de vários artistas. Abriu a sua casa para visitação, já que, segundo diz, as exposições e ateliês têm apadrinhamentos e ciclos viciosos que impedem a exibição de novos artistas.

E é exatamente em cima da maior feira de exposições do ano, a 27a Bienal de São Paulo – Como Viver Junto, que Xiclet faz a sua propaganda. O nome da exposição que ocorre em sua casa? 27a Bienal da Casa da Xiclet – Como Viver Longe. O movimento, como a própria me disse, não vai exatamente contra a Bienal, mas sim usa a força daquela para promover os novos artistas. Claro que têm divergências de alguns métodos de seleção da Bienal oficial, mas seu caminho paralelo não necessariamente se choca com aquele.

Interessante é o ato de Xiclet. Abrir sua casa, sua privacidade, para que a arte possa se desenvolver. É não ficar parado quando as coisas apertam e criar boas alternativas para que mais e mais artistas bons possam surgir. Ganha dinheiro apenas com as inscrições dos artistas que querem expor, já que não cobra entradas.

E há artistas ótimos lá. Perdi levemente os sentidos ao me deparar com a obra Entrecorpos, de Marcela Tiboni (ao lado). Já havia visto o retrato numa exposição do Instituto Cervantes e indicado-o na ocasião como um dos melhores daquela mostra (leia aqui). Estava lá, colocado no chão ao lado de obras igualmente boas. Deu vontade de abraçar, de embrulhar e levar pra casa. O preço, porém, me fez rir de tal idéia tola (R$1.500).

Outro destaque: as fotografias do publicitário Paulo Falcão, que expõe tampas de bueiro numa coloração meio fosca, trazendo arte àquilo que nem classificaríamos como parte de nosso repertório cotidiano. Bueiros e afins são partes dos “objetos invisíveis” de uma cidade.

A contra-bienal de Xiclet é fantástica. A idéia da arte sem porquês, da arte pelo amor à tinta, à tela, ao choque. Enquanto conversávamos, um dos amigos da galerista subiu as escadarias da casa com uma latinha de spray. Minuto depois voltou bem feliz, chamando a todos. Aquele muro em que eu havia me sujado serviu de tela para o moço, que fez um belo desenho com vários círculos em forma de rosto. Enquanto conversávamos!

Não adianta. Se todas as mãos e pés de todos os artistas do mundo forem cortadas, começarão a desenhar com o umbigo.

Nota – 10

Custos
Transporte – R$ 2,00 (ida e volta no bilhete único)
Café e salgado – R$ 1,70
Total – R$ 3,70

Artistas no Telhado - Vengerov

Vengerov
Por Helena Piccazio

Fazia um bom tempo que não víamos um concerto, eu e meu namorado, que tambem é músico clássico. Aí apareceu um concerto na segunda-feira e o Dimitri Pogorelov, violinista aqui do Conservatório Lynn, tinha ingressos gratuitos. Claro que nós queriamos, mas nem sabíamos que concerto era aquele. Entao alguém perguntou: vocês vão ver o Vengerov na segunda-feira? Caramba!!! O Maxim Vengerov é um dos maiores violinistas da atualidade!

O recital de violino e piano aconteceu no Broward Center for the Performing Arts, em Fort Lauderdale, um teatro lindo e chiquésimo. Os ingressos custavam de 30 a 95 dólares.

Fomos até nossos lugares, que eram bons, lá em cima no mezzanino, com visão total do palco enorme. Lendo o programa percebemos que a pianista que tocaria com Vengerov, Lilya Zilberstein, tinha um currículo tão invejável quanto o dele.

Aí, entraram no palco! Não respiravámos... comecaram com um Adagio de Mozart, extraído de um concerto, mas que funciona muito bem sozinho. Eu sempre tinha visto Vengerov tocando peças virtuoses, mais modernas, com milhões de notas por segundo, e nesse Mozart ele mostrou que sabe fazer de tudo mesmo. Uma música lenta, do período clássico, com som cristalino, frases lindas e cheias de vida! E a pianista maravilhosa, de som limpo e aveludado. Em seguida tocaram a sonata no.7 de Beethoven para violino e piano. Que dizer? Estava perfeito!

Mas o melhor veio depois, na segunda parte do recital, quando tocaram a Sonata no.1 de Prokofief para violino e piano. Que lindo! Pra mim o primeiro movimento foi o auge da noite. Pelo impecável nível técnico, sutileza, diferentes climas e cores de som que conseguiam atingir. Foi demais! A última peça do programa eram 10 prelúdios do Schostakovitch, peças bem curtinhas e muito vibrantes, cheias de ironia, que executaram com perfeição!!!

Então o momento que todos esperavam: o bis. Fica todo mundo esperando o bis pra ver os musicos tocando virtuosismos. Primeiro, foi um prelúdio a mais do Schostakovitch. Depois, com muitas palmas ansiosas, tocaram a Danca Húngara no.5 do Brahms. O público foi ao delírio! Essa música se tornou popular ao ponto de cada violinista a tocar como bem entende, acrescentando ornamentos ao seu bel-prazer. Vengerov tocou demais! Queriamos levantar e dancar! UAU!

Infelizmente ele não deu mais bis... mas saímos de lá felizes de ter visto um recital tão bom! Querendo estudar a madrugada inteira...

Helena Piccazio é violinista

20.10.06

27ª Bienal de Artes de São Paulo – 19/10/06

Vivendo Junto


Esculturas, gravuras, instalações, pinturas, vídeo arte, fotografia. Na 27ª Bienal há espaço para todas as linguagens artísticas viverem juntas. Artistas de diversos países, em diferentes linguagens, sob diversas óticas tratam do tema, que não por acaso é “como viver junto”.

Fotografias mostram o retrato das guerras civis africanas, um dos resultados cruéis de não saber viver junto. Biscoitos de Durepoxi em forma de balas, revólveres e ônibus queimando nos fazem ver como o caos e a violência urbana entrou no nosso imaginário e como convivemos com ela.

Mas há também formas menos agressivas (e não menos criativas) de se conceber a idéia de viver junto: o que dizer da encantadora maquete de Recife feita de açúcar? Recife revisitada, que conta com monumentos como o Arco do Triunfo, a Torre Eiffel e o Edifício Copan; o mundo inteiro cabe na Recife do açúcar, ou feita de açúcar. Há também uma mesa com inúmeros pães com bandeiras de vários países. A mensagem é simples: somos diferentes, mas essencialmente iguais. Podemos viver juntos.

Entre as instalações, a que mais me chama a atenção, pela violência e criatividade, é uma caixa de papelão gigante, na qual o visitante entra e é obrigado a ver escancarada uma realidade que tentamos o tempo todo ignorar. Livros (Hegel, Foucault, Arendt, Orwell) pregados lado a lado com porcas, parafusos, chaves de fenda e fotos de pessoas mutiladas em acidentes de trabalho ou por fruto de suas próprias loucuras. A sociedade de exclusão, de paranóias, de separação entre pensar e fazer. Será que conseguimos mesmo viver juntos?

O espaço da bienal parece ser menos cruel do que o mostrado nessa instalação; lá, pelo menos, as diversas linguagens artísticas vivem juntas, quando não se complementam, dividem o mesmo espaço, interferindo umas nas outras, construindo novos sentidos, dialogando entre si e o visitante, aproximando-se dele através da interatividade e da inevitável proximidade de quem fala de temas tão recorrentes no cotidiano.

A Bienal é imensa, o sentido e interpretações do tema são inúmeros e relativos a cada visitante; poderia ficar horas discorrendo sobre os milhares de pensamentos que me vieram à cabeça ao olhar cada obra. Mas a Bienal não cabe numa matéria, é necessário ver de perto e viver junto com as obras por uma tarde, para assim compreendê-las por inteiro.

Nota - 10


Custos - 3 reais (R$2 de transporte e R$1 por um salgadinho)

19.10.06

Foto em Cena - A ilusão do real

A Ilusão do Real
por helô Louzada

Não há duvidas sobre as mudanças que ocorreram no mundo a partir do advento da fotografia. Desde o surgimento dos primeiros daguerreótipos, no fim do século XIX (que causaram o encantamento narcisista da burguesia por si própria), a influência da fotografia e do mundo imagem criado por ela foram determinantes na composição do mundo que começava a se desenhar com as revoluções industriais e técnico-científicas.

Com a difusão e popularização das câmeras fotográficas, também surge a mentalidade que compreende o mundo como algo composto de cenas esperando serem fotografadas; fragmentos de realidade transportados para o papel e lá imortalizados. Realidade, qual a diferença entre o real e o fotográfico?

A fotografia ilude por parecer ser a cópia perfeita e eterna da realidade fugaz dessa sociedade nostálgica de si mesma, que passa por mudanças cada vez mais violentas e rápidas. O olhar do fotógrafo que, inconscientemente ou não, corta, enquadra, expõe, controla a luz, não pode ser o retrato perfeito do real. É sempre subjetivo e estritamente ligado à visão de mundo de quem olha e fotografa; clica.
Qual a semelhança entre a fotografia e uma arma de fogo?
Click!

Em um sentido mais metafórico e sublime, a fotografia também assassina na medida em que viola a privacidade e individualidade do fotografado, impõe o ponto de vista do fotógrafo a algo de múltiplas interpretações, eterniza um momento que seria efêmero, transforma aquilo em parte do mundo-imagem, em objeto consumível, que pode ser possuído.

Hoje, a fotografia é parte indispensável do cotidiano, tornou-se um ritual social. Álbuns de família e viagens de turismo são exemplos simples de eventos que só fazem sentido se forem fotografados. Nessa sociedade nostálgica, o álbum de família mostra o espectro de uma família unida e feliz; e as fotos de turismo são entendidas como a prova incontestável da viagem, do status e do divertimento do viajante. Daí outra ilusão da fotografia, temos a sensação de poder possuir o mundo, poder guardá-lo em simples pedaços de papel ou arquivos de computador.

Pode-se dizer então que a sociedade contemporânea é, sem dúvidas, dependente e viciada em fotografia; uma vez que esta constitui um consumismo estético, uma ilusão de aproximação e de posse do mundo, ou até mesmo um simples prazer narcisista. Pensar o mundo atual sem a fotografia é então, impossível; as experiências, sejam elas individuais ou coletivas, só existem realmente se forem registradas, só fazem sentido se forem fotografadas. Que o digam os fotologgers.

Referência: Susan Sontag – Sobre fotografia

Helô Louzada é estudante de história

Tudo ao mesmo tempo agora - Casa das Rosas - 18/10/06

Poesia na Casa das Rosas

Passei na Casa das Rosas pra ver a exposição de fotos que tava rolando lá. Quando entrei, vi microfones, cadeiras, pessoas. Perguntei o que estava acontecendo, e um homem alto, com voz de barítono, me disse: vai ter uma leitura de poesias. Uma bela menina, vestida de vermelho, me deu melhores informações.

Quando estava decidindo se ficaria lá ou não, tirei meu disk-man da mala para desligá-lo. Foi quando a menina deu um grito! Logo depois, explicou: você pode emprestar essa coisa aí que eu não sei o nome pra gente? É que esquecemos de trazer o som, e queríamos colocar um sonzinho ambiente enquanto as pessoas vão chegando. Fiquei.

A leitura de poemas, teoricamente, começaria às 20h, mas o atraso de um dos membros do time de poetas os fez esperar meia hora. Como este não aparecia, começaram. Nesta hora, havia 16 pessoas do lado direito da platéia e 18 do lado esquerdo, ou seja, o saguão da Casa das Rosas estava parcialmente cheio.

Um palco com uma mulher ao violão – Marina Fama – com seu microfone e outro microfone para os recitadores. Marina toca uma canção de sua autoria, “Maria da mais-valia”. Um começo um pouco desafinado, mas que logo acha sintonia, de estilo MPB “saltitante”, e com letra chamativa. Boa música.

Os poetas estavam sentados nas duas primeiras fileiras. Poesias curtas, por vezes boas, por vezes medianas. Destaque para a menina que havia pegado meu disk-man emprestado, e que recitava com um pouco mais de entusiasmo e força que os demais – e que se apresentou formalmente, Carol Martins. Também para o homem com voz de barítono, Nelson Vilaronga.

Atrapalhou muito Marina tocando violão durante as leituras das poesias. Parecia fora de contexto; era um mesmo tema (não muito bem definido) para poesias diversas, pessoas diferentes. Soava mais como barulhinhos de quem está só brincando com o instrumento do que um fundo musical.

Quando quase todos já haviam recitado uma poesia cada, chegou o elemento que faltava, Calixto. Sentou-se, esperou as últimas pessoas lerem e foi ele declamar a sua. Ao menos, assim pensava eu. Então, explicou do que se tratava todo o projeto. Ele, na verdade, não era somente mais um dos que estavam lá a recitar poesias, mas sim o professor de um curso de poesias da Casa das Rosas, e aqueles poetas eram seus alunos. Quase como um trabalho de conclusão de curso.

Depois de falar, sentou ainda sob aplausos, e as poesias voltaram à ativa. O tema sexo foi bem utilizado, até demais, mas sobraram ainda outros, como alma, solidão e afins.

Foi um belo começo de noite: ouvir poesias boas, que não eram geniais (nem tinham a pretensão de sê-lo), mas que agradavam, expressavam sinteticamente a intenção dos autores/leitores e deixava contentes os parentes, amigos e demais presentes.

Ao final, um presente. A violonista Marina chama ao palco Adriana Gava para cantar, e Renato Banti para tocar percussão. Nelson Vilaronga já estava no palco, e começam a música, então. “Eu sei que vou te amar”, com direito à récita do “Soneto da Fidelidade” recitada pelo barítono. Ainda tocaram mais duas músicas antes de saírem, todos, aplaudidos de pé.

Custos
Transporte (fui e voltei a pé)
Café – R$ 1,20

Nota – 8

Poetas:
Sandra Ciccone Ginez, Leonel Dellalana Júnior, Carol Martins, Edna Mecelis, Andréa Catrópa, Paulo Perez, Marina Fama, Nelson Vilaronga, Diniz Júnior

18.10.06

Campanha em defesa do Sesc

Ajude a defender o Sesc!

Uma lei a ser votada no Senado pode reduzir drasticamente a renda do Sesc, maior promotor cultural do país. O Arte Free encampou a luta e disponibilizou na home um link para a página do Sesc na qual você pode enviar uma carta aos senadores e ajudar a tentar barrar este projeto. Leia abaixo o texto explicatório que está no site da instituição.

Os recursos financeiros que viabilizam a manutenção e a programação do SESC estão ameaçados pelo PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR chamado de SUPERSIMPLES.

Esse Projeto encontra-se no SENADO para votação em regime de urgência. A votação, prevista para o início de outubro, foi adiada. Mas a qualquer momento o Projeto será analisado e submetido à votação. Trata-se de uma medida, que altera os encargos tributários das pequenas e médias empresas, com aspectos muito positivos.

Mas a aprovação do PROJETO pelo SENADO, tal qual está escrito, resultará na redução significativa da receita arrecadada pelo SESC, o que comprometerá drasticamente sua programação, manutenção e expansão.

Sob a liderança da Confederação Nacional e Federações do Comércio, estão sendo tomadas várias medidas para reverter a situação.

ou no link AJUDE A DEFENDER O SESC, à esquerda

Ray Moore – Sesc Av. Paulista - 17/10/2006

O Jazz agradece

Faltavam 10 minutos para o horário previsto do show e o teatro do Sesc, com capacidade para 230 pessoas, estava completamente lotado. Ainda houve um pequeno atraso para que se colocassem mais cadeiras, e assim acomodar ainda mais pessoas. A busca por aquela atração internacional era grande; afinal há 2 anos Ray Moore não vinha ao Brasil - apesar de encarar o país como sua segunda casa.

Acompanhado por Paschoal Meirelles (bateria), Dario Galante (piano) e Zé Alexandre (baixo), o saxofonista, flautista e clarinetista americano de New Orleans entrou no palco e abriu sua apresentação com “Groovy Samba”, de Sergio Mendes - apresentada de forma muito segura e com inclusões de solos dos músicos. Eram perceptíveis os olhares de admiração de todos ali presentes.

Após as devidas apresentações, Ray Moore começou a conversar com todos em inglês. Porém, logo arriscou um bom português com forte sotaque. Por meio de algumas brincadeiras e de seu jeito simples de lidar com o público no intervalo das músicas, facilmente conquistou a todos. Mas não era só esse seu único instrumento de conquista: a técnica musical fantástica era o que mais chamava a atenção e fazia com que um senhor ao meu lado assistisse boquiaberto a grande parte das músicas.

Para provar o amor que havia declarado minutos antes pelo Brasil, Ray tocou “Minas”, composição dele mesmo em homenagem a Minas Gerais. Depois, seguiu seu set list com uma variação interessante de tons e ritmos. O Jazz estava sempre presente, mas por vezes era mais lento, quase lembrando alguns boleros, por vezes era mais animado, quase remetendo ao samba. Destaque para a interpretação emocionada de “Do you Know What it Means – To Miss New Orleans”.

Os músicos que o acompanhavam, apesar de não tocarem juntos há anos, apresentavam um entrosamento surpreendente. Em sintonia marcante com o estilo, esbanjavam técnica. O único ponto fraco eram alguns solos desnecessários incluídos em algumas músicas. Porém, a agilidade de Pascoal unida à base densa do baixo de Zé Alexandre formavam uma base sólida e segura, enquanto o piano de Dario encantava com a sua precisão de notas e acordes. A riqueza instrumental se tornou ainda maior quando Ray Moore convidou Renato Farias para tocar trompete no palco. A escolha da música “Naná”, de Moacir Santos, não poderia ser melhor, e a animação vista no palco fez com que a noite já valesse a pena só por aqueles 10 minutos.

O show estendeu-se mais do que o previsto, mas nem parecia. O público presente aprovava o show com gritos empolgados após as canções e interpretações do instrumentista americano, que mais parecia um brasileiro, tamanha a intimidade conquistada. De pé, todos se despediram com aplausos fortes e até ritmados em mais uma brincadeira de Ray, que agradecia insistentemente o carinho recebido. Mas ele não precisava, o Jazz é que ganhou um belo presente nessa noite.

Custos:
Transporte – R$ 0,00 (ida e volta a pé)
Total – R$ 0,00

Nota – 9

por Allan Brito

17.10.06

Petit Música - Nova MPB, temos de agüentar?

Nova MPB, temos de agüentar?
Por Luciano Piccazio

Toda geração espera e vive as novidades musicais que fazem sentido para aqueles tempos. Rock, em qualquer época, o faz. Talvez pela atitude, talvez pelas letras. Muitas vezes pela sonoridade. MPB também. No Brasil, uma juventude inteira se levantava para ouvir MPB nos discos de vinil, nos Festivais da Canção. Músicas belíssimas, complexas, com letras de compositores do escalão de Vinícius de Moraes.

Estes jovens cresceram, vieram outros jovens. Outra geração, anos 80. Rock volta à tona com Legião, Paralamas e tantos outros. Música boa ainda, um tanto quanto mais simples, mas com letras diretas e liricamente bem estruturadas. As portas da ditadura militar estavam sendo abertas, e o rock aproveitou para chegar chutando.

Nossa geração parece ainda não ter encontrado direito seu rumo. Músicos bons, é claro que há, mas o estilo parece ainda estar na estufa. Enquanto isso, somos forçados a ouvir canções que nunca deveriam ter sido criadas. É o caso da dita “Nova MPB”, nome sugestivo, já que os músicos desse estilo são, na maioria, os filhos dos músicos de MPB.

Jairzinho, Simoninha, Pedro Mariano, Jorge Vercilo e afins, são o que de pior já aconteceu na música brasileira nos últimos cinqüenta anos. Uma música de letras péssimas e sem conteúdo, arranjos feios, repetitivos e enjoativos, harmonias manjadas.

A linha que seguem estes da vertente “Nova MPB” é a linha de Djavan – que já é chato por si só. Mas este até respeito, por ser competente músico, bom letrista. Os outros, que tentaram copiar Djavan, pioraram, e muito, sua sonoridade.

Ouvindo rádio, somos obrigados a escutar essa verdadeira lástima musical. A música não diz nada harmonicamente. A música não diz nada melodicamente. A letra não diz absolutamente nada.

Não se enganem, eles foram estudar música no exterior, tiveram os melhores professores desde cedo. E tudo isso pra fazer essa porcaria.

É preciso que a música de nossa geração saia de seus guetos para fazer barulho e nos permitir uma saída que não ouvir de novo e de novo nossos velhos discos de rock e MPB. Algumas bandas parecem despontar, como Cordel do Fogo Encantado e Teatro Mágico, mas ainda é muito pouco.

Se não surgirem novas bandas no cenário, vamos ficar presos a esta música horrível, que não representa ninguém e veio para não dizer nada. Bandas brasileiras, chegou a hora!

Luciano Piccazio é editor do Blog Arte Free

16.10.06

Ruas – Itaú Cultural – 16/10/06


Ruas?

Antes de atravessar a rua para chegar ao Itaú Cultural, já pude ver o começo da exposição Ruas. O muro lateral do lugar foi tomado por uma bela pintura de grafite, bem relacionada com o tema em questão.

“Ruas” faz parte de um projeto do Itaú Cultural que tem, além da exposição, shows, espetáculos, happenings e mais. Porém, a mostra não agradará aqueles que vão lá com a visão paulistana de urbanidade. As ruas em questão não movimentadas como Avenida Paulista, 13 de Maio. É algo que tende mais ao rural do que ao urbano.

Um helicóptero feito de sucata, um caminhãozinho feito de rolos de papel higiênico e cds se misturam com obras que retratam silenciosamente o silêncio urbano (esse sim metropolitano) e vídeos com artistas que desenham em esgotos.

O grande tema da obra não são as ruas. O grande tema é sim o que o homem faz para melhorá-las. Talvez por isso o grafite, a arte no esgoto, o barulho silencioso.

O melhor da mostra é, sem dúvida, uma grande foto de uma ruela. A foto, gigante, é posta em duas paredes, e a ruela acaba ficando na junção das duas, dando impressão de realidade. A imagem que vêm à mente é a do primeiro filme dos irmãos Lumiére, que mostra um trem vindo em nossa direção.

O nome da exposição é estranho, já que não tratam, especificamente, de ruas. Existe a mistura do mundo urbano com o mundo rural, o místico e o concreto.

São poucos objetos expostos, mas belos. Mostram um pouco da originalidade e criatividade dos brasileiros, mesmo quando não tem quase nenhum material para trabalhar. Frases, objetos, idéias.

Custos
Transporte – (fui e voltei a pé)
Café e salgado – R$ 2,30

Nota - 6,5

15.10.06

Causos - A bruxinha que era boa

Causos - A bruxinha que era boa
por Carol Bataier

Fazer teatro no interior é difícil. Requer paciência, criatividade, imaginação e muita paixão. E quando falo interior, não estou me referindo a Campinas, Rio Preto ou mesmo Bauru. Digo Dois Córregos, Duartina, Ubirajara, Guarapuã. Já ouviram falar?

Pois é. Existe teatro por esses lados também. É difícil. Falta ator, falta dinheiro, falta palco, falta público. Quando não é uma coisa é outra. Mas isso acaba gerando experiência. E muitas histórias!

Certa vez, um amigo reuniu um grupo de crianças e resolveu montar “A bruxinha que era boa”, da Maria Clara Machado. Ensaiaram, fizeram o cenário, pintaram, lixaram, cortaram. Ficou simples. Uma gracinha.

Apresentaram na cidade e foi um sucesso. Todas as crianças adoraram e queriam ver de perto a bruxinha. Queriam subir no palco. Queriam conversar com os atores. Algumas queriam bater no bruxo.

O diretor, empolgado e feliz com o resultado teve uma brilhante idéia: levar a peça para outras cidades. E a primeira apresentação não seria bem em uma cidade, mas em um distrito. Lugar de uns dois mil habitantes. Os pequenos atores aceitaram, igualmente empolgados com o sucesso.

Então veio a parte chata: ligar para a prefeitura, arrumar transporte. Depois de muita burocracia, conseguiram o que a prefeitura disse ser um ônibus.

Quando as crianças viram aquela coisa motorizada, empoeirada, sem calotas, sem uma das portas laterais e com a inscrição “RURAL”, se assustaram. E a personagem principal, uma loirinha com cara de boneca de porcelana, disse que não entrava naquilo lá de jeito nenhum. Fez bico, chorou. Depois de muita conversa, convenceram a menina a entrar no “ônibus”.

Chegaram na escola onde seria apresentação. Montaram tudo na correria, já que perderam no mínimo meia hora convencendo a princesinha-bruxinha a seguir viagem.

Em certa cena, a famosa bruxinha boa era presa no alto de uma torre. A torre era feita de papelão, e a menina colocava o rostinho na janela, e lá ficava, em cima de uma escada, fazendo carinha de tristeza. E não é que exatamente neste momento da peça a torre desabou?! E lá ficou a menininha em cima da escada! A cara de tristeza foi se intensificando, virou um beiço enorme, o nariz avermelhou-se e ela começou a gritar: - Ahhhh! Eu não quero maaaaiiiis! Dá tudo errado na minha viiidaaaa! Eu quero minha mãããeeee!

A platéia, composta de crianças, dividiu-se: parte dela começou a gargalhar; e outra parte ficou séria, entre o susto e o choro.

Depois do escândalo, a cena prosseguiu normalmente. E o diretor jura que até hoje não entende se aquilo foi um ataque de nervosismos que a menininha teve ou se foi um lance de uma atriz muito boa, que conseguiu com sua interpretação desviar a atenção da platéia, que, estarrecida, nem se deu conta da queda da torre, como se aquilo fosse parte da peça.

Anos depois, não mais no interior, a mesma menina ganhou prêmios de teatro. E jura que tudo o que sabe veio da experiência adquirida por esses lados.


Carol Bataier é estudante de jornalismo

13.10.06

Balaio de dois – Sesc Vila Mariana – 12/10/2006

Voltar a ser criança

Que ótima surpresa: em uma tarde chuvosa de feriado em São Paulo, tudo que eu esperava era chegar ao Sesc e ver um público pequeno e desanimado. Mas desde a entrada do local já ouvia os gritos e aplausos fortes da platéia. Realmente havia muita gente. Eram pais com seus filhos de 2 a 7 anos de idade que não deixaram o cinza do céu atrapalhar o dia das suas crianças. E que belo presente elas receberam!

Tapetes coloridos e disformes foram colocados logo à frente do palco para que todos sentassem mais próximos dos artistas e facilitassem a interação. Algumas bexigas completavam o simples palco montado para que Saratiel Silva (violão) e Paulo Neto (voz) começassem a brincadeira através da poesia infantil, das belas canções típicas do folclore brasileiro e de composições próprias.

Com piadas logo conquistaram o carinho e a atenção do público. Todo tempo estimulavam o envolvimento com as canções e poesias através de gestos, danças e idéias malucas. Eles ensinavam a letra e incentivavam o coro a entoar forte todas as músicas. Aplausos e risadas sinceras vinham com naturalidade. A instrumentação era simples, mas eficiente. Músicas clássicas infantis receberam um retoque especial no violão de Saratel e no coro alegre das crianças que se movimentavam constantemente.

E não eram só os filhos que brincavam: no meio do show, dois pais foram convidados a subir no palco e participar do espetáculo. Cada vez a apresentação ficava mais engraçada, até para quem já passou da idade de comemorar o dia das crianças. Paulo Neto interagia o tempo todo e até caminhava entre as crianças para que todas pudessem participar daquela contação de histórias hilárias.

Posteriormente, o clima da apresentação mudou: o tema agora era o medo. Após uma pesquisa rápida sobre esse assunto com as crianças, Paulo Neto tentou aterrorizá-las de várias formas, até mesmo com contos de fadas, mas só conseguia arrancar mais risos. Sua interpretação era sempre caricata e inusitada, o que encantava a todos presentes. Após alguns sustos que só vieram por meio de gritos, ele desistiu. Vieram os trava-línguas e os jogos ricos de palavras com músicas criativas que só animavam cada vez mais os pais e as crianças.

Apesar da curta duração, apenas 45 minutos, ficou a sensação de diversão no semblante de todos. Impossível disfarçar que, mesmo voltado para crianças muito novas, o show tinha entretido até os adultos mais sérios. O tão comentado "espírito de criança" havia sido descoberto naquela tarde cinzenta, que até pareceu mais ensolarada depois de tantas risadas.

Custos:
Transporte – R$ 0,00 (ida e volta a pé)
Total – R$ 0,00

Nota – 9,5

12.10.06

Um indeterminado - CCBB - 11/10/2006

Novas riquezas contemporâneas

Um novo espaço artístico foi aberto ao público no Centro cultural Banco do Brasil: onde antes existia um cofre da agência, no subsolo do banco, agora são expostas obras experimentais contemporâneas. E esse é o caso da exposição do fotógrafo contemporâneo Eduardo Fraipont. Através de uma exploração das luzes e dos movimentos humanos, o autor busca novos conceitos dentro da arte visual. Após concorrer com 250 projetos diferentes, “um indeterminado” foi um dos oito escolhidos pela curadoria do CCBB para o aproveitamento desse novo espaço para a arte.

O corredor, onde estão os quadros, é um círculo não muito grande, escuro e com uma sala no meio. Enquanto eu estava lá, todo este espaço havia sido tomado por crianças curiosas que se divertiam com as inusitadas fotos de Eduardo. Em paisagens escuras, com grande destaque ao céu e ao mar, apenas uma personagem exótica preenchia aquele espaço: é o próprio autor em posições distorcidas através de diversas técnicas fotográficas.

Com efeitos diversos, Fraipont estica seus próprios braços, pernas e pescoço. Utilizando-se de si próprio como único modelo ele permite diversas leituras a um mesmo quadro, representando sentimentos através de cores reais e profundas. A sensação, muitas vezes, é que podemos entrar naquela paisagem tão deserta e irreal. Porém, a repetição de temas, cores, idéias e ambientes causa um certo cansaço. A falta de evolução nos quadros é nítida, o que cansa os admiradores ali presentes.

Após completar a volta no círculo ao redor do antigo cofre, é possível entrar na sala posicionada no meio do corredor e interagir com os quadros: agora imantados, escolhemos livremente a posição de todas aquelas fotografias. Deste modo, cada um pode criar jogos visuais com a luminosidade de cada obra. E a diversão das crianças presentes era evidente. Elas tentavam fazer a própria arte através dos belos retratos já apresentados.

Curioso era buscar o significado naqueles retratos que, à primeira vista, pareciam sem sentido algum. Um verdadeiro jogo de idéias pode ser produzido com um pouco mais de imaginação e liberdade. E a mensagem final, que resume sinceramente a exposição, fica na frase de uma das crianças que interagiam com os quadros imantados: “É estranho. Mas é legal porque é diferente!”

Custos:
Transporte – R$ 0,00 (ida e volta a pé)
Total – R$ 0,00

Nota – 8,5

por Allan Brito

10.10.06

Caché - Cinusp - 09/10/06

Je ne parle pas français

A sala estava lotada. Todos ansiosos para ver o tão comentado e premiado “Caché” do diretor Michael Haneke. Tudo o que eu sabia era o que um amigo meu havia me dito: “é irado, uma puta crítica!”, sobre o quê, a partir do quê, eu nem imaginava.

As luzes se apagam e o filme começa com uma cena estática: uma casa, uma rua, silêncio e créditos. É essa narrativa lenta e silenciosa que leva o espectador para conhecer um pouco da vida da típica família de classe-média Laurent, dona da casa filmada na primeira cena.

A tranqüilidade na qual a família vive é ameaçada por fitas que gravam a frente da casa deles, acompanhadas por desenhos infantis que são deixados na porta da residência. O personagem Georges, o patriarca, tenta saber quem poderia estar vigiando e aterrorizando a sua vida e de sua família.

Lembra-se do filho dos empregados de seus pais, um argelino que vivia na casa da família quando ambos eram crianças. Georges tenta esconder do resto da família as maldades que havia cometido em sua infância com o argelino que poderiam tê-lo levado a vigiar sua vida.

É através desse enredo dúbio que é vida de Georges, tentando esconder seu passado e sua verdadeira visão de mundo para manter seu status e aparência diante de seus amigos, que o diretor Haneke fala sobre a xenofobia que permeia a sociedade francesa.

Haneke cria polêmica tanto no plano da própria narrativa do filme, como nos temas transversais colocados ao decorrer do filme. É difícil saber quem manda as fitas e desenhos para Georges; cabe ao espectador colocar-se no papel de julgar (ou não) os personagens de acordo com seus próprios (pré)conceitos. Da mesma maneira, de modo sutil, o diretor trás à tona temas difíceis de serem discutidos, principalmente na França, como a xenofobia, a alienação da classe média e postura superior dos países desenvolvidos ante aos subdesenvolvidos.

O ritmo lento do filme, as cenas e diálogos um tanto quando monótonos construídos pelo diretor, que podem causar sono ou distração ao espectador mais desavisado, são brilhantemente quebrados pelo momento de clímax no filme, onde o cinema inteiro ficou literalmente boquiaberto, pronto para mergulhar de novo no universo confuso e conflituoso de George e da França contemporânea.

Nota – 8
Custos -
Nada

(O filme "Caché" integra a mostra "Europa:Imigrações" exibida gratuitamente pelo Cinusp durante todo o mês de Outubro)

9.10.06

Gerações (Nivaldo Ornelas e Magno Alexandre) - Sesc Pompéia - 08/10/06

Nada de novo no reino da Dinamarca

Um começo empolgante: jazz pontuado com um leve toque de rock ´n roll, ritmo forte e bons riffs. Será que esse encontro de gerações finalmente mostrará que a nova música instrumental chegou para continuar as conquistas musicais das gerações anteriores? Será que esse espírito de rebeldia, tão necessário para a música, terá seu sucessor? Será aquela primeira música, muito bem tocada e cheia de novidades e mesclas, o começo, a continuação? Não.

A primeira música apresentada foi um aperitivo, e foi só. O show, último da turnê destes instrumentistas, tinha a proposta de ser um encontro de gerações de mineiros. O saxofonista Nivaldo Ornelas, que foi do Clube da Esquina, tocou com Milton Nascimento, Hermeto Paschoal (Festival de Montreux) e tantos outros, traz ao palco Magno Alexandre, guitarrista da chamada nova geração. O esperado para tal proposta era: a geração anterior apresenta ao público o melhor da nova geração, o que ficará quando eles não estiverem mais aqui. Mas isso não aconteceu: Magno não trouxe nada que já não tivesse sido feito à exaustão.

Grandes músicos todos no palco, definitivamente, mas o que se ouviu foi mais um ensaio geral do que propriamente um show. Um Sesc que por horas estava meio cheio, meio vazio, ouviu uma apresentação cujo repertório tentou mesclar o melhor das duas gerações, mas acabou trazendo o que já não se faz mais em nenhuma das duas: músicas sem sal, daquelas que já imaginávamos estar esquecida. Cansam não por serem longas, mas por serem monótonas e repetitivas.

Solos, tanto de Nivaldo, quanto de Magno, ficaram aquém do esperado. Faltou garra, apesar de sobrar técnica. Quem realmente teve uma ótima apresentação foi Kiko Continentino. O tecladista e pianista, que assim como Magno pertence à dita nova geração, misturou vários estilos ao solar e fazer bases, colocava teclados cheios de distorção com pianos de um jazz clássico. Enfim, mostrava que a nova geração tem grandes sim caminhos para percorrer.

As músicas sugeriam viagens. O som tendia mais ao jazz com mais quebradeiras nas quatro composições de Nivaldo e mais ao jazz brasileiro nas composições de Magno Alexandre; tudo bem imagético. Principalmente em razão dos teclados viajantes, era fácil criar paisagens e situações ouvindo o que rolava no palco.

Todos, então, saem do palco, para deixar Magno Alexandre sozinho. Este é o momento! Então estava o guitarrista escondendo o jogo? Agora, sozinho, deve mostrar, com toda a habilidade que já vimos, as novas informações musicais que vem revelar, as rebeldias que traz consigo. Mas não. Magno só tocou um arranjo para guitarra de Casinha Pequenina. Belíssimo, realmente, mas igual a tudo que já foi feito.

Então sai Magno e entra Nivaldo. Sozinho, com uma flauta transversal, começa. Sem soprar a flauta, somente batendo os dedos nas teclas do instrumento, começa a tocar uma cantiga de ninar. Impressionante. Depois, com uma técnica dificílima, canta e toca flauta ao mesmo tempo. Dá ao público um gostinho especial, ao tocar, então, o solo que fez na introdução de Luar do Sertão, num cd ao vivo de Milton Nascimento.

Interage com o público, tocando pequenas melodias que eram repetidas pelas pessoas. Enfim, um banho na apresentação anterior.

Voltam os músicos ao palco e retomam o jazz brasileiro. Um pouco mais de energia, é verdade, mas ainda sim faltava algo. Ao final, o público foi embora sem nem lembrar que havia uma nova geração sendo apresentada. Uma boa banda num dia infeliz, sem grandes solos, sem grandes emoções.

Nota – 7

Custos
R$ 2,00 – Ônibus (ida e volta no bilhete único)
R$ 1,20 – Cafezinho
R$ 3,20 – Total

BandaNivaldo Ornelas – sax e flauta transversal
Magno Alves – guitarra
Kiko Continentino – teclado e piano
Paulinho Braga – Bateria
Sérgio Barroso – Baixo

Set List – 1.Sob Controle – 2.Maracatuaba – 3.American Song – 4.Baião pra Nanda – 5.Dina, cadê você – 6.Solo de Magno – 7.Solo de Nivaldo – 8.Bem Melhor Assim – 9.Modal Frevo – 10.Nova Granada

Matéria por Luciano Piccazio Ornelas
Fotos por Ricardo Marinho

8.10.06

Histórias do Sr. Keuner –Sesc Av. Paulista – 05/10/2006

Artes unidas pelo humor

Era impressionante a quantidade de pessoas lendo diferentes livros antes da apresentação. Nos sofás e bancos de espera do Sesc apenas uma característica em comum: O público era formado por pessoas realmente apaixonadas por literatura. A maioria era de adultos e idosos isolados, cada um em seu espaço. Todos aguardavam o início de uma demonstração intensa de arte.

No ano de cinqüentenário de Bertolt Brecht, importante teatrólogo, poeta e filósofo da Alemanha, a homenagem seria feita com base em uma de suas personagens mais marcantes, que inclusive tornou-se um de seus alteregos: Sr. Keuner - ou mais conhecido apenas como Sr. K. A proposta de Marcos Ferreira (criador e diretor musical) é de uma riqueza empolgante: unir a música às belas histórias criadas com o Sr. K. Ou seja, fundir dois tipos variados de arte para que uma valorizasse a outra.

Havia quatro instrumentistas de sopro, um baixo, uma bateria e um piano. Também havia dois intérpretes. Uma grande estrutura montada para que cada frase de Keuner chamasse a atenção do público presente. Iniciando com uma metáfora, recurso freqüentemente utilizado por Brecht, uma análise de toda a sociedade humana e seu estado atual foi apresentada com as intervenções naturais de todos músicos, que eram um destaque a parte. Entrosados e com criatividade, todos faziam com que o objetivo fosse alcançado: o público dispensava toda sua atenção aos talentosos artistas no palco. E não tinha como ser diferente.

Com belos solos de flauta, notas de baixo pontuais e bateria extremamente criativa, até os textos mais curtos e sem força recebiam um tratamento especial. Com clara influência do Jazz, a banda ressaltava as piadas, complementava-as e até era responsável por várias. Diversão e talento estavam garantidos. As interpretações dos atores Maria Tendlau e Otávio Martins eram seguras e acertavam o tempo ideal do humor. Risadas honestas sempre eram arrancadas a cada história.

Os temas eram os mais diversos, contados através de situações exóticas. Com uma certa ingenuidade e sempre presente bom humor, Sr. K relatava as dificuldades e desejos do ser humano em suas relações com o mundo em que vive. Desde amor até religião tudo era muito próximo ao espectador e, ainda assim, surpreendente pela forma com que eram abordados. Para completar a graça muitas vezes infantil que existia nas histórias, havia desenhos feitos por Guto Lacaz. Também inusitado era o símbolo da aproximação entre artistas e apreciadores.

Vieram os aplausos contagiantes e pedidos de bis. Sem titubear, os músicos o fizeram e conquistaram de vez a simpatia dos apaixonados pela arte feita com dedicação e criatividade. Dessa forma, só nos sobrou a saudade dos risos daquela noite. Mas as animadas músicas ainda ecoam na minha cabeça até agora. Espero que não saiam mais!

Custos
Transporte – R$ 0,00 (Ida e volta a pé)
Total – R$ 0,00

Nota – 9,5

Por Allan Brito

7.10.06

Trilogia Iberoamericana - Sesc Paulista - 05/10/06

Hollywood is dead

A Trilogia Iberoamericana do uruguaio Martín Sastre é um chute no estômago. Estamos, subitamente, em 2049, numa civilização praticamente destruída, num futurismo esquisito. Então, o próprio Martín, diretor e ator nos filmes, começa a falar o que aconteceu.

A videoarte tomou conta do mundo. Quem tem o controle da ficção tem o controle do futuro, só que nossa geração, nessa sede de notícias reais (reality shows, jornais 24h) levou Hollywood à falência. O fato deixou as pessoas possessas, e a guerra começou.

De repente, Martín Sastre manda uma carta anônima a Kofi Annan (presidente da ONU). Nela, lia-se os dizeres: “Ficção iberoamericana é mais barata”. E assim começou o império iberoamericano, e o mundo redividido. De metade para baixo, é a chamada América. Metade para cima, é Subamérica. Ninguém sabe ao certo quando os bolivianos começaram a escrever suas próprias histórias, mas o fato é que isso fez com que tivessem a hegemonia mundial.

Americanos, esses chatos, querem cruzar a fronteira para fugir para o México. Claro que são barrados. Videoarte agora domina o mundo, e Martín Sastre é um dos líderes do movimento.

Seus curtas-metragens são engraçadíssimos. O público no Sesc Paulista ria muito, e ria alto. Como ficar inerte à imagem de Britney Spears como freira? Ao final do terceiro curta da trilogia, inúmeras notícias fantasiosas de jornal. Numa delas, fala “Bush Jr. ataca o Iraque”. O filme foi feito cinco meses antes ao ataque.

É ácido e é crítico, mas a crítica é feita de dentro para fora. Sastre usa apenas elementos da cultura POP. Suas músicas são as típicas da rádio Kiss FM (rock clássico), imagens rápidas com mensagens claras e cômicas. E seus filmes são em inglês.

Depois dos filmes, sobe Martín para uma conversa. Camiseta dos ramones, corrente no pescoço com uma réplica da Torre Eiffel. Em inglês, começou a contar sobre as idéias de filme que tinha, os motivos.

A primeira pergunta que fez ao público: “quem acha que Bush vai atacar o Irã antes de 2009 levanta a mão (alguns levantam). E quem acha que ele vai atacar a Venezuela (poucas pessoas levantam, incluindo Sastre). E quem acha que vai atacar a Coréia do Norte? (muitos levantam a mão). Bom, isso é quase certo, né?”.

O tempo inteiro em seus filmes, a Subamérica luta contra a América, sempre nesse maniqueísmo. Mas o próprio cineasta corta isso: quando Martín Sastre luta contra Matthew Barney, monstro defensor do império Ianque, em vez de matá-lo quando teve a oportunidade, preferiu perdoá-lo e ficarem amigos. “matá-lo seria a alternativa bélica, a alternativa deles. Não a nossa”.

Apesar de sempre falar nesta luta de primeiros contra terceiros mundos, Sastre disse ter sido bem recebido em todos os países: “nunca fui mal recebido por fazer crítica a esse ou aquele lugar. O único lugar onde as pessoas encaram meus vídeos de maneira diferente é nos países da América Latina. Parecem perceber coisas que até então não haviam se tocado.”

Custos
Refrigerante - R$ 1,90
Salgado - R$ 1,50
Total - R$ 3,40

Nota – 9,5

(imagens de reprodução)

Artistas no Telhado - Deep Purple

O dia em que vi Deep Purple
por Helena Piccazio

Em Artistas no Telhado artistas contam as loucuras que já fizeram para assistir a um bom show. Helena Piccazio queria mais: não bastava só assistir, ela queria conversar com eles, ver o ensaio...

O Deep Purple!!! O Deep Purple!!! Eles mesmo? Sim! Pra tocar com a Orquestra Jazz Sinfônica. Sério? Sério...

Puxa vida, bem na época em que eu adorava um rock e ouvia muito Deep Purple. Comprei o ingresso, caro na verdade... 90 reais. Mas havia o ensaio geral e eu conhecia vários colegas que tocavam naquela orquestra. Por quê não?... Sim, no dia do ensaio geral, de manhã no Tom Brasil, eu peguei o meu violino e fui pra lá. Fui entrando como se eu fosse da orquestra, com os meus colegas. Eu nem deveria estar escrevendo isso, porque não fica bem pra segurança da casa de shows, mas foi assim mesmo. Sentei-me na platéia vazia esperando o grande momento em que os integrantes da lendária banda de rock apareceriam pra ensaiar. Alguns me olhavam torto: "Quem e essa?". Fiz que não era comigo.

Eram apareceram! Meu Deus... essas pessoas existem mesmo! Ian Gillan, Steve Morse, Ian Paige, John Lord, Roger Glover. No repertório, o Concerto para Banda e Orquestra composto por John Lord, tecladista do grupo, seguida de clássicos como Pictures of Home e Smoke on the Water. Eu adorei o Concerto, é muito raro ouvir uma composição que mistura essas duas formações, e a tentativa é, em raras ocasiões, feliz. Fiquei lá assistindo, a principio muito entusiasmada de ver o Deep Purple ali na minha frente ensaiando! Em seguida fui prestando mais atenção ao que fazia a orquestra. Infelizmente, não sei se por algum preconceito, negligência, falta de tempo de ensaio ou simplesmente acústica ruim, a orquestra não se apresentava na melhor forma. A banda mandando ver, fazendo o som rolar gostoso, e a orquestra assim meio mais ou menos.

Como já faz algum tempo, alguns anos, não me lembro se foi no intervalo ou no final do ensaio que fui falar com eles. Falei com John Lord: disse que adorava ele tocando e tinha curtido bastante a composição. Ele é realmente um lorde! Falei com Steve Morse, e disse que um amigo queria a palheta dele e não falava inglês. Falei com Roger Glover, uma simpatia! E também saquei-lhe uma palheta. O coração a mil! E elogiei o baterista Ian Paige, meu musico preferido ali.

Depois fui embora com o resto da orquestra, feliz da vida.

O concerto em si, o que eu paguei, foi muito legal, mas tenho que admitir que vi alguns solos no ensaio que gostei mais, que foram mais criativos, como o de bateria: no concerto foi bom, mas no ensaio foi emocionante! O publico roqueiro não curtiu tanto assim o Concerto para Banda e Orquestra, mas acabou acalmando um pouco as expectativas quando Deep Purple tocou os clássicos na segunda parte.

E foi assim que eu vi o Deep Purple de graça!

Helena Piccazio é violinista

6.10.06

Antônio Abujamra – Sesc Av. Paulista – 05/10/2006

O público merecia mais

A tradicional garoa paulista caía enquanto eu caminhava tranqüilamente até o Sesc. Aquele clima típico era perfeito para preparar quem esperava assistir a uma bela homenagem a essa São Paulo tão maltratada e criticada. Poetas consagrados interpretados por um ator tão importante quanto Antonio Abujamra só poderia gerar uma boa expectativa.

Jovens, adultos e idosos, admiradores da literatura, chegaram aos poucos e não formaram um público numeroso. Após cinco minutos de atraso, a apresentação começou. Entretanto, Abujamra não entrou no palco, apenas iniciou-se a apresentação de um vídeo do seu programa na Rede Cultura, o Provocações, o que só aumentava a curiosidade dos espectadores.

Posteriormente, entrou simples e sem quaisquer cerimônias. O palco também abusava da simplicidade, havia apenas o microfone, a cadeira e a mesa. Seguiu-se a leitura de belas declarações de amor a São Paulo, mas não havia a mesma força e inspiração do vídeo. A interpretação não era tão segura, por ser totalmente lida e a interação era nula, o que cansava o concentrado público presente. Mesmo assim arrancava alguns risos, afinal era possível admirar-se facilmente com as belas poesias de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Antonio de Alcântara Machado e Gustavo de Almeida. Diante de todo este talento víamos a cidade retratada entre o Trianon, o Tietê e o Edifício Itália. “Desde a Av. 9 de julho até a Rua 29 de setembro.”

Depois de quase cansar seus fãs devido à morosidade com que lia os versos, Abujamra deu espaço para mais trecho de seu programa. E este era o seu maior trunfo. Porém, a tecnologia atrapalhou: o vídeo passou a travar insistentemente, até que o próprio apresentador pediu para que interrompessem a veiculação. Ou seja, até o que era melhor no espetáculo teve problemas graves, o que interferiu diretamente na apreciação dos textos.

Houve um momento de constrangimento, mas foi bem superado por algumas piadas que “quebraram o gelo” da situação. E continuou a recitar poesias, fazendo com que a arte, pela segunda vez nesta semana, me fizesse refletir sobre as belezas da cidade em que vivo. Houve mais uma tentativa frustrada, até que o vídeo voltou a funcionar perfeitamente e subiu o nível do espetáculo.

Quando todos ainda aguardavam por novas surpresas, talvez mais interatividade, talvez mais vídeos, talvez mais inspiração, Abujamra anunciou a última poesia da noite: mais uma bela declaração de Oswald de Andrade, que arrancou aplausos finais tímidos e diversos comentários de quem estava espantado com a curta duração da leitura. Provavelmente, espantado inclusive com a baixa qualidade da apresentação. Com certeza, esperava-se mais, afinal São Paulo merecia. Após as luzes se apagarem, Abujamra atendeu a todos que ainda desejavam por mais demonstrações de seu talento e forte personalidade. No final, apenas a escolha dos textos e uma conversa descontraída, com o próprio ator, salvaram a noite.

Custos
Transporte – R$ 0,00 (Ida e volta a pé)
Total – R$ 0,00

Nota - 6

por Allan Brito

5.10.06

Clarice Lispector - Fnac Paulista - 03/10/06

Clarice jornalista

Corredor Literário. São Paulo é a Avenida Paulista, e a Avenida Paulista se volta para a literatura. São sete horas da noite, Fnac Paulista, e um café lotado de pessoas que esperam para saber: Clarice Lispector foi jornalista?

Era uma palestra com Aparecida Maria Nunes, autora de Clarice Lispector Jornalista, com Nadia Batella Gtlib, especialista em Clarice, e com Almir de Freitas, editor de literatura da revista Bravo!, mediador da conversa.

Depois das devidas apresentações de um nervoso mas simpático Almir de Freitas, que começou se desculpando pelo atraso de meia hora, Aparecida falou. Começou a contar sobre o modo como Clarice Lispector encarava o jornalismo, o que escrevia, como escrevia.

A autora de A Hora da Estrela assinava com o pseudônimo de Teresa Quadros, para o Jornal do Brasil. Escrevia para o caderno feminino do jornal, daqueles que se baseiam no tripé: Casa, Coração e Moda.

O trabalho jornalístico em sua vida começou antes do trabalho como escritora. Assim como a grande maioria dos que pretendem ser literatos no Brasil, Lispector teve de se render ao jornalismo.

Segundo Aparecida e Nadia, apesar de Clarice odiar o trabalho jornalístico, se esmerava ao máximo para fazer bons textos, e conseguia. Lispector, além de escrever, diagramava a página e a entregava pronta para o editor.

Lispector não era feminista, era feminina. Ao mesmo tempo em que era uma mulher independente, trabalhava e fazia tudo o que uma mulher “avançada” fazia, era árdua defensora da feminilidade. Achava que a mulher deveria buscar sua independência sem deixar de lado sua vida familiar, sua maternidade...

Um dos grandes motivos da aproximação de Clarice Lispector junto à imprensa era o de tentar uma publicação, uma notoriedade. Nota-se, desde cedo, um jeito artístico de tratar os textos femininos: “ela tinha um olhar Paris”, ou “aquela cintura que parecia fina”. A escritora ia sempre contra o que se chama de ditadura da beleza.

Certo dia perguntaram à Clarice: porque você escreve? (já que parecia sofrer sempre e muito ao fazê-lo). A resposta? “É uma tentativa de entender o que estou querendo dizer”.

Custos:
Café e pão-de-queijo: R$ 1,20
Transporte: fui e voltei a pé

Nota - 8

Foto em Cena - Robert Capa

Fotojornalismo Heróico
por Helô Louzada

Desembarcar com as tropas aliadas na Normandia; não para combater o inimigo nazi-facista, mas sim para registrar aquele momento único, arriscando sua própria vida em troca de imagens que o consagrariam.

Foi assim que Robert Capa imortalizou o chamado fotojornalismo heróico: desembarcando na Normandia em pleno dia D sob tiros das tropas inimigas. Foi assim que Robert Capa imortalizou os muitos soldados mortos em combate e engrandeceu o mito criado em torno do dia D e de toda a sua própria produção fotográfica, que também inclui o registro da Guerra Civil Espanhola.

Criar mitos, influenciar no imaginário e principalmente estetizar a guerra, no sentido de criar o “belo” em situações de miséria, degradação e sofrimento humano. O papel do fotojornalismo heróico é estritamente ligado ao engajamento político e ideológico do fotógrafo, que produz imagens com o intuito de serem difundidas na sociedade através da imprensa para que ela veja, saiba, pense (ou seja, levada a pensar) de determinada maneira, contra ou a favor de tal país envolvido na guerra, de tal posicionamento político, etc.

O próprio Robert Capa sempre fotografou guerras incorporado-se a exércitos, usando o uniforme dos mesmos; denotando uma clara posição política ligada a um ou outro lado. A guerra fica mais próxima das pessoas, encantando-as com a morbidez presente no fato de ver-se representado numa fotografia, ainda que esta evidencie um espetáculo de autodestruição.

E o fotojornalismo heróico rendeu frutos: não foi só Robert Capa que arriscou sua vida para mostrar ao mundo cenas de guerra que estavam “esperando para serem transformadas em fotografias”, nas palavras do mesmo. O que dizer da transmissão ao vivo e 24 horas da Guerra do Iraque e das conseqüentes dezenas de jornalistas mortos ou seqüestrados?

O fotojornalista-herói torna-se, por assim dizer, um mito, da mesma maneira que as imagens produzidas por ele. As fotografias tornam-se o ponto central (e mais chocante) da reportagem, dando a ela um caráter próximo do cinematográfico.

As fotografias produzidas para serem vistas pela massa, ou seja, com o propósito da divulgação intensa, carregam em si uma forte mensagem a ser facilmente percebida; bem diferente das fotografias mais conceituais das vanguardas. Quem não percebe a monumentalização do oprimido nas fotografias de Sebastião Salgado? É claro e sem disfarces; Salgado quer mostrar ao mundo realidades duras, com o objetivo de conscientizar as pessoas.

Quanto a Capa, pode-se dizer que foi o grande responsável por eternizar o dia D, o massacre das tropas aliadas e sua vitória no nosso imaginário. As imagens tremidas e embaçadas só contribuem para dar ainda mais veracidade ao momento captado pelas lentes desse fotógrafo, que morreu ao pisar numa mina terrestre quando cobria a Guerra da Indochina (ou Vietnã) do lado das tropas francesas.

Helô Louzada é jornalista e estudante de História

(As três primeiras imagens são de Robert Capa, a quarta é de Sebastião Salgado)